O último dia 7 de outubro ficará marcado para sempre em nossos corações. O atentado terrorista praticado pelo Hamas foi o maior assassinato de judeus desde o Holocausto. Foi o maior ato extremista após o 11 de setembro. Desde então, a suposta “guerra” entre Israel e grupos radicais palestinos tem sido notícia diária em meios de comunicação, redes sociais e grupos de WhatsApp.
No acalorado debate que se originou do fatídico evento, verifica-se uma confusão de conceitos e de atores deste episódio criminoso e seus desdobramentos. É preciso entender que são três os personagens envolvidos: Israel, Hamas e Palestina. Contudo, apenas dois estão em conflito: o grupo terrorista e o Estado israelense. O Hamas não representa a Palestina e Israel não está em guerra com esta. A guerra é contra o Hamas. É contra o terrorismo.
A relação entre Israel e Palestina é complexa e, lamentavelmente, poucos a conhecem com a profundidade necessária para emitir opiniões responsáveis e desapaixonadas. A política adotada por ambos os lados pode ser questionada justificadamente. O Estado palestino é legítimo e deve conviver com o Estado de Israel em uma relação frutífera e próspera. O Hamas, porém, está longe de ter a legitimidade de uma nação. Seu objetivo é claro: destruir Israel a qualquer custo. Para tanto, faz sofrer não apenas a população israelense, mas igualmente a população palestina. Não é preciso ser favorável a Israel para ser contra o terrorismo de grupos extremistas como o Hamas.
O que deve fazer Israel diante dos atos terroristas perpetrados pelo Hamas? Silenciar? Ou promover medidas que garantam a segurança de seus cidadãos?
Os civis palestinos que não apoiam o terrorismo são tão vítimas quanto a população israelense. Os líderes do Hamas desviaram subvenções da União Europeia destinadas ao Estado palestino. Israel concordou por diversas vezes que a gestão de Gaza deveria ser feita pelos palestinos, os quais não conseguiram, porém, evitar que extremistas controlem boa parte daquela região. Em atos de criminosa desinformação, o grupo terrorista divulga factoides e acusa Israel de desumanidade, quando em verdade são os extremistas que deliberadamente expõem seu povo a risco. Assim, não é exagero dizer que, atualmente, o Hamas tem duzentos e vinte reféns israelenses em seu poder, mas também dois milhões de palestinos nessa condição. Daí o acerto do pensador árabe Tahar Ben Jelloun quando asseverou, na última semana, que “O Hamas é inimigo do povo palestino.” Essa foi, aliás, a fala do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o qual disse que “as políticas e ações do Hamas não representam o povo palestino”.
Neste cenário, remanescem alguns questionamentos: o que deve fazer Israel diante dos atos terroristas perpetrados pelo Hamas? Silenciar? Aceitar passivamente? Ou promover medidas que garantam a segurança de seus cidadãos? Se tais atos ocorressem no Brasil, o que seria feito pelo nosso governo? O que esperaríamos dos poderes constituídos? Os comentários ofensivos à reação israelense permitem uma triste conclusão: Israel é o único país que precisa se defender de sua própria defesa.
Lamentavelmente, há parte significativa de formadores de opinião, da imprensa e da população em geral que, por ideologia ou ignorância, subverte a realidade dos fatos. Para estes, a atitude do Hamas foi legítima e deve ser analisada dentro de um contexto maior, como um ato de um povo oprimido pelo poderio sionista. Flexibiliza-se a barbárie terrorista e condena-se a única democracia da região. Chega-se ao escárnio de equiparar a situação presente aos horrores do extermínio nazista. O incremento do antissionismo é o combustível para algo ainda mais grave: o antissemitismo. Temos visto diariamente comentários, sobretudo nas redes sociais, com ofensas ao povo judeu e não apenas a Israel. Ou, ainda, críticas ao governo israelense com evidente carga antissemita. Conforme advertiu o filósofo e professor Luiz Felipe Pondé, “que não me venham com argumentos de má-fé de que isso é resistência contra o colonialismo. Pouco importa o quanto se florear esse argumento, na base está a mesma coisa: o antissemitismo. (...) O velho antissemitismo volta às ruas, mas, desta vez, comendo de garfo e faca e se comportando dentro da etiqueta acadêmica”.
Ao longo de sua história, o povo judeu foi vítima de perseguições sob os mais diversos pretextos: religioso na Antiguidade e Idade Média; econômico no final do Século XIX; racial na Europa do início do Século XX e no período nazista. Agora, a justificativa é política: a crítica ao sionismo, que muitas vezes é apenas um subterfúgio para o exercício do antissemitismo. Eis, portanto, a preocupação de toda a comunidade judaica mundial: o renascimento do sentimento antijudaico em decorrência do conflito do Oriente Médio. O que está acontecendo não pode servir de meio de incitação da antipatia ao povo judeu. Nesta Gazeta do Povo, Rodrigo Constantino advertiu: “Com o ataque bárbaro, selvagem e cruel dos terroristas do Hamas em Israel, e a necessária e legítima reação do país, muitos antissemitas voluntariamente marcaram uma suástica imaginária em suas faces, expondo ao mundo o que são e o que desejam”. Apenas para se ter uma ideia da gravidade da situação, posts antissemitas nas redes sociais cresceram assustadores 1.200% nos últimos dias. Aqui no Paraná, semanalmente são recepcionadas dezenas de denúncias de postagens contrárias ao povo judeu. Mas, como exposto no Estadão, a situação é ainda mais grave: “a onda antissemita ganhou ainda mais força, em agressões de todos os tipos, não só as ofensas nas redes sociais”, diz o jornal.
O atual cenário em territórios israelense e palestino já é motivo mais do que suficiente de preocupação mundial. Não deixemos que sirva de gatilho para o sentimento abjeto do antissemitismo. A humanidade não precisa, repetindo os erros do passado, escrever mais um capítulo vergonhoso em sua história. Críticas ao Estado de Israel são naturais, desde que não venham apenas como pretexto para o ressurgimento do ódio e do antissemitismo.
Alexandre Knopfholz é presidente da Federação Israelita do Paraná.