| Foto: Halley Pacheco de Oliveira/Wikimedia Commons

A poucos dias do 17.º aniversário de um dos maiores avanços da legislação ambiental brasileira – o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), instituído pela Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, e criado para consolidar o papel e a gestão das unidades de conservação (UCs) no país –, o Brasil está prestes a autorizar duas medidas provisórias que permitem justamente o contrário: a redução de áreas protegidas e, consequentemente, o desmatamento crescente nos biomas brasileiros.

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Atualmente, para se criar uma UC são necessários inúmeros estudos e audiências públicas com todos os envolvidos. O que vemos nesse caso, no entanto, é que apenas com medidas provisórias o governo federal estaria colocando em risco o patrimônio natural brasileiro protegido por lei, abrindo precedente e criando jurisprudência para que outros governantes façam o mesmo. Essa atitude, além de ser uma distorção grave da lei brasileira, é um atentado contra a sociedade.

Outra consequência das MPs poderá ser o crescimento desenfreado da exploração ilegal

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As MPs 756/2016 e 758/2016, aprovadas pelo Senado no último dia 23 de maio, reduziram três importantes áreas brasileiras: a Floresta Nacional do Jamanxim, no município de Novo Progresso (PA); o Parque Nacional do Jamanxim, nos municípios de Itaituba e Trairão (PA); e o Parque Nacional de São Joaquim (SC). O sentido inverso que a aprovação dessas medidas toma compromete o desenvolvimento econômico do país e beneficia alguns poucos interessados, prejudicando, assim, grande parte da população. Para termos uma ideia, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza desenvolveu, há alguns anos, um roteiro metodológico que permite estimar os benefícios sociais e econômicos gerados por UCs. Foi aplicado em 2016, em cinco parques do Paraná, e os resultados mostraram que as áreas geram, ao todo, cerca de R$ 80 milhões por ano ao estado, o que comprova o impacto positivo das UCs na economia.

De forma contraditória ao que se propõe com as MPs, o Brasil – com representantes de governos, empresariado e sociedade civil – esteve presente, no último ano, em importantes fóruns e conferências ambientais, como o Congresso Mundial de Conservação; a 22.ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; e a 13.ª COP da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), reafirmando seu compromisso em prol da conservação da natureza. Ademais, no último dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o governo federal assinou decreto para ampliar a área de unidades de conservação, como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Apesar das conquistas, o desafio reforça a necessidade de o governo praticar a coerência entre as políticas e decisões internas do país com ações que promovam a conservação dos ambientes naturais e reduzam a emissão de gases do efeito estufa. Para isso, uma das principais ações é a de estabelecer mais Unidades de Conservação e fortalecer as existentes, além de zerar o desmatamento ilegal em todo o território, criar incentivos econômicos para tecnologias mais sustentáveis, investir em fontes de energia limpa e em agricultura de baixo carbono.

Leia também:Mata Atlântica, preservação e recuperação (artigo de Rafael Braz, publicado em 7 de outubro de 2014)

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Estamos seguindo um caminho prejudicial à nossa sociedade com a aprovação dessas medidas provisórias. A retirada da proteção de 588,5 mil hectares de florestas na Amazônia e a redução em 20% do Parque Nacional de São Joaquim – um dos principais refúgios da biodiversidade da Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do país – será o resultado desastroso da sanção desses projetos de lei pelo presidente Michel Temer. Outra consequência poderá ser o crescimento desenfreado da exploração ilegal, que poderá criar precedentes para novas ocupações de áreas preservadas em UCs.

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As unidades de conservação são importantíssimas não apenas para a proteção da biodiversidade, mas também indispensáveis para a vida e o bem-estar dos brasileiros. Elas fornecem serviços ambientais essenciais à vida, como o fornecimento de água limpa, a purificação do ar, a regulação do microclima e o sequestro de carbono, além de representar geração de renda para milhares de brasileiros, pois importantes pontos turísticos naturais são protegidos em seus interiores. E é nesse momento que percebemos que, pelo futuro do nosso país, o primeiro e importante passo para continuarmos o trabalho de conservação e proteção da natureza, será o veto integral a esses projetos de lei.

Malu Nunes, engenheira florestal e mestre em Conservação, é diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.