Evoluímos sob a égide da cultura europeia e talvez por isso não tenhamos o samba no pé, o gingado e desenvoltura necessários para sermos reconhecidos Brasil afora como uma cidade onde também há carnaval
Ao ser convidado para escrever este artigo me foi perguntado se eu poderia falar sobre o carnaval em Curitiba, se essa festa existe, ou não, por aqui. Tarefa um pouco complexa, mas bastante desafiadora. Discutir sobre isso no início do ano já faz parte das tradições do carnaval de Curitiba. Afinal, temos ou não temos? A festa deve ser realizada ou não? Perguntas de difíceis respostas. Talvez essa seja a razão para que a questão volte sempre às rodas de conversas e às indagações da mídia ao se aproximarem os festejos momescos.
Evoluímos sob a égide da cultura europeia e talvez por isso não tenhamos o samba no pé, o gingado e desenvoltura necessários para sermos reconhecidos Brasil afora como uma cidade onde também há carnaval. Já publicava a revista Veja em 1969: "O carnaval une ricos e pobres no frevo de Pernambuco, separa-os em Curitiba, onde agora se toma o cuidado de eleger rainhas brancas porque vários clubes barraram na portaria a rainha mulata no ano passado".
Parece que nossa origem europeia nos definia como não foliões. Mas, historicamente falando, o carnaval brasileiro foi importado da Europa, trazido pelos portugueses, na forma do entrudo: manifestações populares que arrastavam foliões correndo pelas ruas das cidades se divertindo jogando ovos, farinhas e água de cheiro uns nos outros, devidamente fantasiados. Então, analisando por este prisma, somos carnavalescos natos.
Um salto na história e temos a metamorfose do carnaval, com a inserção de cores e ritmos africanos entremeados com as peculiaridades locais originando os bailes e as sociedades fechados e comportados e os cortejos que ganham as ruas bem menos comportados, abrindo espaço para o surgimento dos desfiles de blocos e escolas. A polca, o maxixe, a mazurka, as valsas, gêneros que alegravam os foliões mais comportados vão sendo substituídos pelos primeiros acordes do samba e batuques de raízes negras.
Em Curitiba, essa metamorfose parece ser a geradora do nosso grande dilema. Era fácil nos identificar com os primeiros. Mas nos transformamos. Com Chiquinha Gonzaga, abrimos alas, fomos às ruas em alegres corsos, fizemos bailes nos clubes, nos fantasiamos, colocamos os blocos na avenida, seguimos a Banda Polaca. Ainda que, para muitos, nossa ginga seja um tanto restrita.
É fato que o carnaval de Curitiba não tem uma cara. Tem muitas. Não fervemos como o frevo de Pernambuco, não temos os apoteóticos desfiles do Rio de Janeiro, que atraem dezenas de milhares de celebridades e turistas, não temos o axé da Bahia que arrasta multidões, mas temos o nosso jeito, curitibano, de ser. Misturamos tudo. Garibaldis e Sacis, escolas e blocos na avenida (bons e ricos para uns, ruins e pobres para outros, depende apenas do olhar e do ponto de vista de quem assiste), Psycho Carnival nos bares, bailes. Temos Antonina e as bandas no litoral, nossa segunda casa.
Somos duros pra sambar (?). Tentamos, pelo menos. Talvez tenha nos faltado alguém para ensinar a ginga, o requebrado. Parece tão fácil. Para mim é difícil, quase impossível. Recato, timidez ou total incapacidade física, vai saber.
O Brasil é reconhecido mundialmente como o país do carnaval, portanto não podemos, sobretudo, achar que o nosso carnaval não existe e que não é uma festa popular. Ela é. Uma festa em que tudo se pode, tudo se justifica, tudo se mistura, aqui ou em qualquer outro lugar. Sim, temos espetáculos para turista ver, mas também temos cada cidade do interior do Paraná, do Brasil, que comemora do próprio jeito, independentemente de qualquer receio de comparação.
O carnaval é do povo e ele é quem deve ditar as regras de como quer (ou não) festejar. Podemos ser espectadores ou partícipes, basta escolher, mas o que devemos de fato é respeitar e aproveitar tudo aquilo que a cidade oferece.
Precisamos parar de perguntar e começar a responder no ato: sim, Curitiba tem carnaval. Jamais julgar se isso ou aquilo. Jamais comparar, ou tentar achar a cara que nosso carnaval deva ter. Melhor, aceitar as caras que ele tem. O que vale é a diversidade de nossa cultura.
Paulino Viapiana é secretário de Estado da Cultura do Paraná.