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Novas regras do SAC podem piorar atendimento ao consumidor

(Foto: Pixabay)

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Um dos atuais mantras das empresas que se pretendem socialmente responsáveis é a certificação de excelência no atendimento do consumidor. Para demonstrarem esta preocupação, muitas delas anunciam a adoção de instrumentos de governança socioambiental (ESG), ajustando sua comunicação para expressar termos como “inclusão”, “acolhimento”, “proteção” e “atenção”. É muito difícil e injusto generalizar conclusões a partir de experiências pessoais, mas confesso que não é fácil se sentir acolhido por diversos destes mesmos sistemas empresariais de atendimento ao cliente.

É neste contexto que se torna relevante um olhar crítico sobre a mais recente regulamentação do famoso Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), recentemente publicada por meio do Decreto 11.034/2022 e que entrará em vigor em aproximadamente seis meses. O tema não é novo, uma vez que o SAC era regulamentado no Brasil desde 2008. Tornava-se necessário, entretanto, fazer alguma atualização, especialmente pela popularização de novos meios de comunicação, passando dos telefone de 2008 para os “canais” de 2022 (artigo 2.º).

Embora o âmbito de aplicação do decreto continue o mesmo (serviços regulados como planos de saúde, telefonia e bancos, segundo o artigo 1.º), ampliou-se o escopo do SAC para incluir não apenas o acesso à informação, mas também o tratamento de demandas (artigo 1.º, II). Além disso, o atendimento telefônico será obrigatório, ainda que sem a mesma disponibilidade de acesso ininterrupto dos demais canais (apenas oito horas diárias – artigo 4.º, § 2.º e artigo 5.º, I). Aqui, por exemplo, já se encontram limitações regulamentares à propalada “inclusão”: o acesso fora de horário comercial provavelmente estará disponível apenas por meio de recursos eletrônicos, dificultando o acesso daqueles com restrições tecnológicas (seja de acesso ou manuseio). Isso para não se mencionar o enigmático parágrafo terceiro do mesmo artigo 4.º, que abre brecha para a interrupção do atendimento ao afirmar que “na hipótese de o serviço ofertado não estar disponível para fruição ou contratação nos termos do disposto no caput, o acesso ao SAC poderá ser interrompido, observada a regulamentação dos órgãos ou das entidades reguladoras competentes”. Além disso, embora se assegure a acessibilidade (artigo 6.º), as condições em que esta se dará dependem de futura regulamentação pelo Ministério da Justiça, algo muito distante da forma preferencial prevista no decreto anterior.

Além disso, o atendimento telefônico será obrigatório, ainda que sem a mesma disponibilidade de acesso ininterrupto dos demais canais (apenas oito horas diárias – artigo 4.º, § 2.º e artigo 5.º, I). Aqui, por exemplo, já se encontram limitações regulamentares à propalada “inclusão”: o acesso fora de horário comercial provavelmente estará disponível apenas por meio de recursos eletrônicos, dificultando o acesso daqueles com restrições tecnológicas (seja de acesso ou manuseio).

O novo decreto aliás, inova negativamente em relação aos requisitos mínimos de garantia de atendimento. Se o antigo decreto previa que a transferência para o atendimento presencial e definitivo deveria ocorrer em até 60 segundos, não se admitindo transferência em caso de reclamação ou cancelamento, isto tudo agora dependerá de futura e incerta regulamentação do órgão competente. Aparentemente haverá incentivo para adoção de tecnologias de atendimento, como os “robôs” ou chatbots.

Já quanto à lógica da “atenção”, o novo decreto também exige o consentimento do consumidor para veiculação de mensagens publicitárias (artigo 4.º, §5.º), mas, paradoxalmente, não define as condições mínimas de como este consentimento será dado e autoriza – independentemente de consentimento do consumidor – a veiculação de mensagens de caráter informativo (§ 6.º). Quem já teve a oportunidade de aguardar atendimento telefônico em um SAC sabe que consentimentos são obtidos por meio de opções cansativas em menus pouco explicativos, e que mensagens informativas são fáceis disfarces para publicidade institucional.

Além disso, a antiga proibição – sempre ignorada – de que a “ligação” não fosse finalizada antes da conclusão do atendimento passou a ser uma possibilidade (artigo 11), especialmente ao se permitir ao fornecedor sua conclusão (artigo 11, III)! Ou seja, o consumidor passaria a ter o eventual ônus da falha do próprio sistema de atendimento. Quem já tentou cancelar um serviço por meio do SAC sabe que são comuns longas esperas e sucessivas “quedas” do sistema ou das ligações.

Se o antigo decreto previa que a transferência para o atendimento presencial e definitivo deveria ocorrer em até 60 segundos, não se admitindo transferência em caso de reclamação ou cancelamento, isto tudo agora dependerá de futura e incerta regulamentação do órgão competente.

Também a presencialidade e humanização do atendimento não parecem ser prioridades, uma vez que não se repete a preferência pelo atendimento pessoal. Isto impacta, é claro, na acessibilidade, “inclusão” e “acolhimento”, já que ferramentas como chatbots nem sempre “entendem” a solicitação do consumidor, são muitas vezes limitadas e, em muitos casos, parecem ser destinadas a criar um anteparo à reclamação ou cancelamento do serviço. Fora que sua utilização indiscriminada desumaniza o atendimento, especialmente daqueles não afeitos à tecnologia (vulneráveis, por exemplo).

Há, claro, aspectos positivos na nova regulamentação: amplia-se o acesso do consumidor ao histórico de suas demandas, criando-se procedimento e prazo de envio do documento (artigo 12). Além disso, prevê-se expressamente a suspensão imediata de cobranças questionadas (artigo 13, §.3º). Também se manteve o dever de manutenção da gravação das ligações por 90 dias e do registro do atendimento por dois anos, assim como o recebimento imediato dos pedidos de cancelamento.

Por outro lado, aumentou-se o prazo para retorno sobre a demanda do consumidor (de cinco dias úteis para solução para sete dias corridos para resposta). Além disso, o decreto anterior, ao contrário do novo, diferenciava a prestação de informações (que deveria ser imediata) e a solução da demanda (em cinco dias úteis). Estaria, então, o acesso à informação condicionado ao novo e maior prazo?

Há, claro, aspectos positivos na nova regulamentação: amplia-se o acesso do consumidor ao histórico de suas demandas, criando-se procedimento e prazo de envio do documento (artigo 12). Além disso, prevê-se expressamente a suspensão imediata de cobranças questionadas (artigo 13, §.3º).

Quanto à “proteção”, pelo menos dos dados, o decreto mantém a lógica anterior de proibir o condicionamento ao fornecimento de dados do consumidor e menciona a existência e incidência da LGPD. Mais uma vez a nova regulamentação parece, contudo, ter perdido uma oportunidade de ampliar a proteção do consumidor: qualquer um que já acessou um SAC teve de fornecer no mínimo o número do CPF para ser atendido (sim, trata-se de um dado).

A sensação final que se tem da leitura comparada de ambas as regulamentações é de que o novo texto avançou pouco, repetiu muito e perdeu algumas oportunidades essenciais, especialmente em razão dos recentes desdobramentos legislativos, como a Lei do Superendividamento, a LGPD (apenas mencionada), as discussões recentes sobre herança digital e sobre o marco legal da inteligência artificial. Aparentemente será papel da iniciativa privada, por meio de reais instrumentos de ESG, impor um padrão mais protetivo, acolhedor e inclusivo de atendimento ao consumidor.

Frederico E. Z. Glitz é advogado contratualista e Pós-doutor em Direito e Novas Tecnologias.

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