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Hoje temos uma agenda de debates que se concentrou na política fiscal que olha essencialmente para a solvência governamental no longo prazo. Da mesma forma, ou com mesma intensidade, há forte rejeição a uma política econômica intervencionista no sentido de se revelar uma agenda de escolhas políticas. O que está na pauta é uma direção aos investidores que tem compromisso com o curto prazo.
Mas, é em torno destes medos e da necessidade de criar um compromisso propositivo, inclusivo e indutor de crescimento econômico que se desenvolve o desenho da proposta de medidas de política econômica.
É preciso entender as transformações mundiais que se apresentam e ter um projeto claro de futuro. Um projeto que já deveria ter sido forjado.
Aparentemente há clareza do papel da indústria e sua importância na agenda de transformação do contexto econômico. A indústria possui complexidade produtiva, grau de monopólio, fortes transbordamentos que impactam na atividade agrícola, da indústria extrativa como fornecedores e no setor de serviços complexos do qual é demanda significativa.
Está em curso um redesenho das cadeias globais de valor pós-pandemia, que inclui regionalização das cadeias produtivas e re-industrialização de economias maduras, como a americana. Essa percepção aparece na agenda anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acerca da retomada das relações comerciais latino-americanas. Mas, na compreensão desta economista, erra ao propor uma moeda única. Mesmo que seja um objetivo a longo prazo.
Moeda única no modelo europeu representa importante restrição de política econômica, no caso a cambial. E reduz as possibilidades de ajuste canalizando-as para o mercado de trabalho como recurso de maior competitividade e exportação. É verdade que a unificação monetária permitiu uma intensificação do comércio entre países europeus. Porém, havia anteriormente um sólido esforço na pauta de compromissos mútuos e uma limitação conhecida como “serpente no túnel”, que restringia possibilidades de recurso à política cambial para atingir objetivos de crescimento econômico, controle inflacionário e outros.
Não é o caso latino-americano. Agrega-se a esta preocupação um mercado de trabalho “uberizado”, com um número expressivo de trabalhadores informais que não contribuem para a previdência, uma desigualdade na capacitação (problema da educação e da educação técnica), uma demanda por um “salário emocional” que aparece após a pandemia, e uma apatia que emerge do relato de gestores como diagnóstico de uma mudança comportamental após a pandemia.
Desta forma, deveríamos olhar mais estrategicamente para o que chamamos de “economia de plataforma” ou plataformização das relações de produção, trabalho e consumo. As plataformas são um importante recurso para superar limites geográficos e produzir uma integração de mercados. Para isso, é necessário trabalhar barreiras linguísticas, como meios de pagamento, logística e na importância de se trabalhar a Marca País.
Esta é uma ação que deveria anteceder a proposta de integração monetária. Não há “bala de prata”. As plataformas ampliam o mercado e redesenham a estrutura produtiva. Pouco ou nada se fez e não aparece no compromisso do governo para uma inserção produtiva internacional com regulamentação digital. Não se trata apenas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Trata-se de educação para o letramento digital e midiático, regras que permitam o surgimento de novos negócios digitais com segurança jurídica etc.
Enquanto não desenhamos um planejamento da mudança na estrutura produtiva, com uma significativa alteração na inserção internacional, a retomada do crescimento econômico segue apoiada fortemente na recuperação do consumo e ações de mitigação da desigualdade e direcionadas à redução da miséria. O uso das instituições em favor da oferta de crédito e incentivos fiscais no curto prazo, com diálogo e articulação para uma proposta de crescimento da renda e do emprego, pode possibilitar uma melhora no resultado, porém, não substantivo.
A reforma tributária é a chave para isso. Permitirá criar condições para um maior equilíbrio das forças produtivas regionais, aumento na competitividade, redução do tempo dedicado à gestão tributária e um possível deslocamento de tempo dedicado à produção. Também, possivelmente, uma redução de preços e, portanto, diminuição de desigualdades.
Mas, já não basta. É preciso entender as transformações mundiais que se apresentam e ter um projeto claro de futuro. Um projeto que já deveria ter sido forjado, se não no período dos debates que antecederam as eleições, ao menos no período de transição. Assim, esperamos que nos próximos meses a preocupação com os primeiros cem dias de governo seja reduzida e um projeto consistente de longo prazo seja apresentado.
Cristina Helena Pinto de Mello é professora de Economia e diretora da Área de Sucesso Docente e Discente da ESPM. Doutora e Mestre em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.