O Direito do Trabalho no Brasil é hermético, fechado. Vive numa bolha chamada “emprego” e luta para não sair dela. Seus doutrinadores, não raro, rechaçam qualquer mudança da realidade do trabalho com vínculo de emprego. Agarram-se tenazmente aos princípios celetistas de 1943, como se fossem os únicos a prevalecer. E, quando se veem diante de mudanças no mundo do trabalho, atacam-nas como se fossem a encarnação do mal na Terra. Entendem que as mudanças são, inclusive, feitas para atingir de morte os princípios que regulam o direito do trabalho e para literalmente acabar com os trabalhadores. Entendem as mudanças de modo passional, como um ataque quase que pessoal.
Se o Supremo Tribunal Federal (STF) entende, por exemplo, que a contratação de pessoas jurídicas é possível para os profissionais de beleza, pedicures e cabelereiros que fazem contratos com os salões de beleza, parte dos doutrinadores do Direito do Trabalho reagem histericamente, afirmando que se consolidou a fraude. Se o STF decide que médico pode constituir pessoa jurídica para trabalhar em hospitais, brotam ataques contundentes contra esta decisão afirmando que se instalou a barbárie no mundo do trabalho, “retrocesso” e que tal medida merece ser socada até a morte.
Ou se compreende que o mundo do trabalho está mudando e que novas modalidades de contratação são possíveis, legítimas e legais, ou se mantém a crença de que se deve encaixar tudo no antigo celetista.
As palavras “flexibilização”, “modernização” e “avanço” são, para os que lhes têm ojeriza, sinônimo de “desregulamentação”, “precarização”, “fraude”, “ilegalidade”, “inconstitucionalidade” e até “imoralidade”. Se o STF decide que um advogado pode ser sócio de um escritório de advocacia sem que isto signifique presumidamente fraude, em seguida parte dos doutrinadores trabalhistas jogam pedra no condenado – a decisão do Supremo – afirmando que se trata de um verdadeiro absurdo, despautério e “retrocesso”. Partem do princípio de que a contratação de advogados como sócios é sempre movida pela má-fé do dono do escritório, como se a fraude pudesse ser presumida.
Se a lei dispõe que “a atividade assalariada não é a única forma de caracterização da profissionalização do atleta, do treinador e do árbitro esportivo, sendo possível também definir como profissional quem é remunerado por meio de contratos de natureza cível...” (Lei 14.597, de 14 de junho de 2023, que institui a Lei Geral do Esporte), pronto: atacam a lei, o Poder Legislativo, os deputados, os senadores que a votaram, dizendo que se trata de flagrante desproteção do trabalhador, o que evidentemente não é.
Se o STF decide que a atividade profissional dos trabalhadores de aplicativos é de natureza civil, e não trabalhista, é o suficiente para se iniciarem fortíssimos ataques à decisão, como se a Corte Superior estivesse dizendo uma barbaridade jurídica, como se pudesse só existir o trabalho digno com vínculo de emprego, subordinado. Se o trabalho autônomo realizado com exclusividade, dependência econômica e habitualidade pode ainda ser considerado autônomo, vêm logo alguns ligeiros doutrinadores, com os nervos expostos, olhos injetados de raiva, dizer que se trata de fraude. Os técnicos PJs de tecnologia da informação – autônomos, que implantam um sistema em uma empresa, o que leva meses, têm habitualidade, pessoalidade, dependência econômica, mas não subordinação durante esse período porque sabem o que têm que fazer. Este exemplo mostra que o artigo 442-B da CLT sobre trabalho autônomo está correto. Ele desmistifica a ideia de que tudo é fraude, ilegalidade, burla, má-fé, como se vê em parte dos comentários dos doutrinadores trabalhistas sobre o tema.
A principal regra que regula a CLT está contida no artigo 3º da CLT, que prevê o único modelo de trabalho: aquele com vínculo de emprego. Este é o modelo de 1943, antigo, que certamente existe e se manterá, mas não é e nunca será o único. Imaginar que existe um único modelo de trabalho – o trabalho com vínculo de emprego – é achar que todos os outros novos modelos são fraudulentos e precisam, portanto, se ajustar a ele.
É o mesmo que querer calçar um sapato 35 num pé 40. Não cabe, não serve, não dá certo. Ou se calça o sapato certo, ou se fica descalço. Ou se compreende que o mundo do trabalho está mudando e que novas modalidades de contratação fora do trabalho subordinado são possíveis, legítimas e legais, ou se mantém a crença de que estes novos modelos devem se encaixar no antigo celetista de 1943, colocar o sapato 35 no pé 40. Todos ficarão descalços.
José Eduardo Gibello Pastore é advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados.
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