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Domingo, 28 de junho de 1914. O relógio em Sarajevo marcava 10h45 quando o príncipe Francisco Ferdinando, herdeiro do cambaleante Império Austro-Húngaro, era morto a tiros pelo jovem sérvio Gavrilo Princip. Embora improvável, o atentado ao nobre e sua esposa trazia consigo o peso de décadas de rivalidades entre povos inimigos no continente europeu. Em julho do mesmo ano, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Rússia, Áustria-Hungria e Império Otomano enfileiravam seus aparatos bélicos uns contra os outros na “Grande Guerra”.
Quase um século depois, entre os anos 1992 e 1995, no conflito entre bósnios e sérvios, Sarajevo encerrava um ciclo de guerras que, além da Primeira, resultou na Segunda Guerra Mundial, assim como na Guerra Fria. Em todos esses acontecimentos, as ameaças tinham um lugar próprio na relação entre tempo e espaço modernos. Inclusive, os terroristas possuíam nome e sobrenome registrados na história.
Terça-feira, 11 de setembro de 2001. Nova York amanhecia ensolarada quando, às 8h46, um Boeing 767 chocou-se contra um dos prédios do World Trade Center, iniciando uma série de ataques terroristas que representariam a inauguração de uma nova era social da humanidade. Triunfante ao fim da Guerra Fria, os EUA e seus intelectuais prenunciavam o “fim da história”, enquanto conquista hegemônica da democracia liberal. No entanto, em apenas uma década, a maior potência geopolítica era colocada em xeque após um grupo de terroristas, portando algumas facas, abalarem o tecido social do “Ocidente”.
No século 19, quando a História tornou-se ciência e adentramos globalmente à Revolução Industrial, passado e futuro demarcavam o compasso da relação social entre o tempo e o espaço. Parafraseando o poeta Charles Baudelaire, o professor Hans U. Gumbrecht, em Nosso amplo presente: o tempo e a cultura contemporânea, afirma que naquela época “entre o futuro e o passado, o presente se estreita até ser um breve momento de transição, já não perceptível”. O passado dos grandes heróis, feitos e conquistas, juntamente com o futuro do progresso e da sociedade ideal, pressionavam o presente para a ordem do tempo fugaz e do espaço a ser destruído. Tendo como norteador o espaço-tempo do século 21, Gumbrecht ressalta que “desde então, aceitou-se que as condições favoráveis à vida do planeta não são duradouras”. Sendo assim, o ocaso do futuro esfumaça o horizonte do passado, ampliando a dimensão do tempo presente.
A fragmentação das perspectivas, a partir dos atentados do dia 11 de setembro de 2001, encontra-se presente em todas as esferas da vida em sociedade. Embora a quantidade de vidas perdidas naquela terça-feira jamais tenha comparação com as consequências do ataque daquele longínquo domingo de 1914, o impacto dos ataques terroristas transcendeu os quatro anos do conflito mundial, ao levarmos em consideração os 20 anos de conflitos inacabados no Afeganistão.
Os ataques às Torres Gêmeas inauguraram um tempo de incertezas, quando o caos estabiliza-se enquanto ordem social. A latente crise de 2008, resultado de uma liquidez total da riqueza, bem como a crise pandêmica atual, correspondem a esse novo espaço temporal, que, nas palavras de Ulrich Beck, representam uma metamorfose. De acordo com o sociólogo alemão, “a metamorfose implica uma transformação muito mais radical, em que velhas certezas da sociedade moderna estão desaparecendo e algo inteiramente novo emerge”. Nesse novo mundo, o risco abandona o aspecto variável e transforma-se em uma constante. As ameaçam passam a ser invisíveis, podendo ser terroristas sem identidades sociais, mísseis disparados por drones, subprimes hipotecários ou um vírus mutante. Nessa nova era, as contradições passam a ser substituídas pelos paradoxos. A crise deixa de ser algo conjuntural, passando a fazer parte da vida estrutural das sociedades modernas.
Victor Missiato é doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília e membro do Grupo de Estudos Intelectuais e Política nas Américas (Unesp/Franca).