Não há nenhuma dúvida sobre quão desafiadora é a vida de um empresário no Brasil, principalmente sob o ponto de vista fiscal. Não bastassem as instabilidades política e econômica que atrapalham, e muito, o dia a dia corporativo, o sistema tributário nacional é, indubitavelmente, um dos mais complexos do mundo.
E, justamente por essa razão, pode-se dizer que o empresário brasileiro enfrenta uma tarefa hercúlea no âmbito tributário – seja para o cumprimento das obrigações acessórias (por exemplo, entrega de diversas declarações), seja para arcar com a pesada carga tributária incidente sobre a atividade econômica –, cenário que, além de fomentar a informalidade, acarreta uma alta inadimplência.
Agora, imagine tais fatores aliados aos impactos da pandemia do coronavírus, entre eles a forte retração econômica em todo o planeta e a pressão inflacionária significativa existente no país. O resultado, como não poderia deixar de ser, é uma inadimplência fiscal nunca vista antes. Neste preocupante cenário, ganha cada vez mais força o anseio empresarial por alternativas advindas do governo federal e/ou do Congresso Nacional para facilitar a regularização fiscal dos contribuintes endividados.
Muito tem se falado sobre o Projeto de Lei 4.728/2020, proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), que reabre o prazo de adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), de que trata a Lei 13.496/2017, ajustando os seus prazos originários e as modalidades de pagamento – em que se propõe a redução em 100% das multas de mora (no programa original, a redução era de 70%) e dos juros de mora, nos casos de pagamento em parcela única, e na redução do porcentual mínimo de entrada para 5%.
A justificativa do PL – que objetiva gerar um pico de liquidez tributária nos próximos anos – é de que “a pandemia causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2 (...) agravou e consolidou a crise econômica iniciada em 2015 e comprometeu ainda mais a capacidade de as pessoas jurídicas pagarem os tributos devidos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)”.
No entanto, vem do Planalto a maior resistência para a aprovação do texto. A pasta econômica, sobretudo o ministro Paulo Guedes, é contra a reabertura do prazo para adesão a programas de parcelamentos especiais e defende o fortalecimento da Transação Tributária, instituída na esfera federal pela Lei 13.988/2020, modalidade de negociação individual que oferta à empresa em grave crise financeira, ou seja, que não apresenta capacidade de pagamento de seu passivo fiscal, a possibilidade de alcançar a denominada conformidade fiscal.
Guedes também tem ventilado a hipótese da criação de um passaporte tributário, que, em suas palavras, seria “quase perdão fiscal”. Mas, até o momento, pouco sabemos sobre tal medida, que deve começar a tramitar pelo Senado Federal nas próximas semanas.
O que fica claro é a ferrenha oposição do governo à reabertura do prazo do Pert, mantendo sua rejeição à “cultura do Refis”. O popular Refis é a sigla do Programa de Recuperação Fiscal – instituído pela Medida Provisória 1.923/1999 e, posteriormente, Lei 9.964/2000 –, modalidade de parcelamento com parcelas a perder de vista somada a descontos agressivos e a juros muitas vezes bem abaixo dos praticados pelo mercado.
Os programas de parcelamento passados, que representavam uma espécie de benefício aos contribuintes devedores, resultavam, também, é claro, na oportunidade de o governo aumentar suas receitas e diminuir o estoque de dívidas tributárias. Terreno fértil para o surgimento da tal “cultura do Refis”. Para se ter uma ideia da habitualidade de utilização deste instrumento, somente na primeira década deste século foram ofertados quatro parcelamentos especiais federais, com o espaço de três anos entre eles.
Estudos indicam que, logo após a oferta de um parcelamento, os contribuintes ficavam na expectativa de novos parcelamentos futuros. Consequentemente, havia a redução da propensão de pagamento dos tributos. Outro nocivo efeito identificado era o fato de que contribuintes com alta capacidade de pagamento, que não necessitavam de descontos, se beneficiavam das condições instituídas por tais parcelamentos. A adesão, nesses casos, funcionava como uma espécie de planejamento tributário. São precisamente essas, inclusive, as motivações para o posicionamento do Ministério da Economia de rejeição ao Pert e ao fortalecimento de novos modelos de negociação, como, por exemplo, a transação tributária.
Compreende-se esta linha de raciocínio. É, de fato, inegável que os programas especiais de parcelamento não foram corretamente utilizados ao longo dos anos. Trouxeram mais malefícios ao sistema tributário do que o contrário. De todo modo, não se pode perder de vista o momento em que estamos vivendo. Trata-se da maior e mais significativa crise da história moderna. É desolador acompanhar o dia a dia empresarial. As dívidas aumentam e os tributos continuam sendo exigidos, mesmo com as medidas divulgadas pelo governo federal, como a postergação de vencimento de prazos para optantes pelo Simples Nacional, mas é certo que o passivo fiscal das empresas está aumentando exponencialmente.
E é por esta razão que não se pode contar unicamente com as condições inegociáveis das modalidades disponíveis para adesão à transação tributária e seus tímidos descontos. Para se ter ideia, em regra, como bem pontuado na justificativa do PL 4.728/2020, são vedadas transações que impliquem redução superior a 50% do valor total dos créditos a serem transacionados; e que concedam prazos de quitação dos créditos superior a 84 meses. Muito menos atraente – ou melhor, muito menos viável – que a redução em 100% das multas de mora e dos juros de mora do novo projeto de lei.
Portanto, com o devido respeito ao entendimento contrário, o fortalecimento das modalidades de transação tributária como medida única para lidar com o endividamento decorrente da pandemia significa, na verdade, tapar os olhos para o cenário estarrecedor que o empresariado nacional enfrenta.
Todos os segmentos empresariais clamam por uma alternativa que possibilite, de fato, a regularização fiscal, e não são os tímidos descontos ofertados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que possibilitarão essa retomada da adimplência fiscal. Inexistindo novas modalidades mais acessíveis de negociação, precisará, sim, ser reaberto o prazo para adesão aos parcelamentos especiais com suas condições mais vantajosas. E este é um abacaxi que precisa ser descascado pelo governo federal. Caso contrário, a retomada do crescimento será ainda mais difícil.
*Eduardo Rehder Galvão é advogado especialista em Direito Tributário.
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