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Mulher palestina segura cartazes com um retrato desfigurado do presidente dos EUA, Donald Trump, durante uma manifestação de mulheres apoiadoras do movimento Hamas contra o plano de paz dos EUA no Oriente Médio, na cidade de Gaza, em 5 fevereiro de 2020.
Mulher palestina segura cartazes com um retrato desfigurado do presidente dos EUA, Donald Trump, durante uma manifestação de mulheres apoiadoras do movimento Hamas contra o plano de paz dos EUA no Oriente Médio, na cidade de Gaza, em 5 fevereiro de 2020.| Foto: Emmanuel DUNAND / AFP

O chamado “acordo do século” é tudo menos um acordo. Foi desenhado pelos assessores de Donald Trump para atender à maioria das exigências israelenses apresentadas (e geralmente não atendidas) aos governos norte-americanos ao longo dos últimos 25 anos, mas ainda assim trouxe algumas surpresas. Para aqueles que veem o presidente Trump como um aliado incondicional dos israelenses e o presidente mais favorável a Israel que já ocupou a Casa Branca, o plano frustrou as expectativas de endosso de uma ampla anexação da Cisjordânia, mantendo a proposta de criação de um Estado palestino independente e a suspensão da construção nos assentamentos por um período de quatro anos. Mas analisemos em que se diferencia essa proposta das tentativas anteriores de se chegar a um acordo.

O plano acrescenta a exigência de reconhecimento, por parte dos palestinos, de Israel como Estado judeu, algo que não figurava nas propostas negociadas até o momento. Contrariando as demandas da direita israelense, que exige a anexação da maior parte da “área C” da Cisjordânia, o plano deixa sob controle palestino 70% daquela área, muito menos do que foi oferecido por governos israelenses anteriores. Contrariando os parâmetros de Bill Clinton e a maioria das abordagens posteriores, esse plano também endossa a anexação de todos os assentamentos reconhecidos (exclui aqueles considerados ilegais pelos próprios israelenses) e mantém a soberania israelense sobre aqueles assentamentos isolados no interior da Cisjordânia, cuja contiguidade territorial teria de ser obtida através de estradas sob controle israelense. Resgatando modelos anteriores, o plano propõe a criação de meios de conexão entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia através de um túnel e uma via férrea, eliminando assim a separação entre as duas partes de um futuro Estado palestino.

Um dos itens surpreendentes do plano respalda a proposta da plataforma de Avigdor Lieberman de troca de territórios com populações. A anexação por parte de Israel dos assentamentos na Cisjordânia seria compensada por áreas israelenses no Negev, contíguas à Faixa de Gaza. Neste caso, a alteração da fronteira israelense na região do “Triângulo” colocaria em um futuro Estado palestino aproximadamente 300 mil árabes cidadãos israelenses. A reação dos envolvidos não tardou, repudiando veementemente a ideia de que prefeririam viver em um Estado palestino e não em Israel.

Dois dos temas mais espinhosos em todas as negociações anteriores tratam das questões de Jerusalém e dos assim denominados refugiados palestinos. Nos Acordos de Oslo, ambos foram deixados de lado, para serem tratados após cinco anos de autonomia palestina, e nunca foram solucionados. O Plano Trump determina claramente a manutenção do domínio israelense sobre a cidade unificada de Jerusalém, definindo-a como o território a oeste do muro de proteção construído por Israel durante a Segunda Intifada. São rejeitados os parâmetros de Clinton, que previam que os bairros de maioria árabe seriam incorporados à parte palestina da cidade. O plano rejeita também o controle palestino sobre os locais sagrados em Jerusalém, mantendo o statu quo e o controle jordaniano.  Caem por terra também as ideias que previam o controle muçulmano sobre a Esplanada das Mesquitas e o israelense sobre o subsolo do Monte do Templo, onde se supõe estarem as ruínas do templo salomônico.

A questão dos refugiados é encerrada de maneira direta. Não haverá retorno de refugiados ou de seus descendentes ao território israelense. Aqueles que habitam nos países vizinhos seriam assentados onde estão, recebendo uma compensação financeira por suas perdas.

O plano proposto reconhece em sua totalidade as demandas israelenses relativas à segurança. Exige que o Estado palestino seja desmilitarizado e que o controle de acesso a suas fronteiras, seja por terra, mar ou ar, continue nas mãos dos israelenses. Tanto o espaço aéreo quanto o espectro eletromagnético seriam controlados por Israel. Por fim, o Hamas teria de aceitar fazer a paz com Israel e a Faixa de Gaza seria desmilitarizada.

Não cabe nenhuma dúvida de que o plano pretende provocar uma reação palestina. Nas atuais circunstâncias, é óbvio que o Hamas, em meio a um processo de negociação de uma trégua com Israel, não abandonará as armas nem fará a paz com Israel. A aceitação por parte dos palestinos das cláusulas referentes aos refugiados continuaria a minar a legitimidade de qualquer liderança palestina, e é uma das principais razões de ceticismo em relação a qualquer acordo.

Por ora, os palestinos optaram por rejeitar frontalmente todas as propostas. Mas, assim como os Acordos de Oslo somente foram possíveis porque a liderança palestina exilada em Tunes se sentiu ameaçada, talvez agora uma liderança acuada e cada vez mais distante de seus representados reconheça que, com o passar do tempo, suas opções se tornam cada vez mais limitadas. O tempo, definitivamente, não está a seu favor.

Samuel Feldberg, doutor em Ciência Política, é professor de Relações Internacionais e pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv, e membro do Conselho Acadêmico do StandWithUs Brasil.

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