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“Tornar-se adulto é tarefa difícil.” A frase pode não te trazer nada de novo, mas só me dei conta disso – na real – depois de ser desconstruída por meu adolescente que me fez enxergar e aceitar minhas limitações como parte de um amadurecimento que dura a vida toda. Olhar para mim mesma me levou a viver uma história diferente da habitualmente propagada entre pais e filhos adolescentes em constante conflito. Depois de um exercício hercúleo de mudar minha lente sobre esta atribulada relação, consegui finalmente desempenhar não só meu dever de mãe formadora, mas também facilitadora e, também parceira nesta jornada de crescimento, algo inimaginável tempos atrás.
Fui “mãe super-herói” até a adolescência do filho quando, então, foi-me imposto o papel de vilã cheia de defeitos vigorosa e frequentemente apontados até em situações em que tentava ajudar meu filho a solucionar problemas. Meu empenho em formar o novo adulto me levava a cobrar de meu adolescente atitudes correspondentes à minha compreensão do que é ser adulto. O desejo era comum de ambos os lados, mas o entendimento e os meios de concretizá-lo, bem distintos.
Aprendi que ser adulto independe de idade; é exercício contínuo, nunca acabado, de aprimoramento constante e vitalício.
Minhas intervenções na tentativa de instruí-lo e colaborar nas invariáveis situações adversas se tornaram motivo de crítica e desaprovação. Meu modelo de iniciativa, comunicação e atitude diante da vida adulta aparentemente não correspondia ao do filho. Incontáveis vezes meu adolescente reclamou de minhas intervenções quando parecia não saber lidar com determinadas situações. Lembro algumas em que tomei a dianteira com o objetivo de ajudá-lo e até ensinar o caminho das pedras mas, para minha surpresa, recebi duras repreensões: “Saco, mãe! Precisava falar com o professor sobre a prova? Nada a ver!”; “Pô, mãe, fala sério: você não contou pra minha tia que eu fiquei bravo com ela, né?”; “Mãe, não creio que pediu a Dani pra me pegar em casa porque não queria ir sozinho de ônibus... brincadeira, hein, mãe!”. Até, um dia, revelar mais: “Me deixa resolver minhas coisas, mãe! Que saco!”.
A lente de admirador mudara para a de intolerante e constantemente irritadiço; a ajuda de mãe passou a significar “interferência em suas coisas”. A fase mudou e, com ela, a lente de filho também. A capa de super-herói de um passado ainda recente parecia repentinamente desgastada e, dia após dia, me escapava dos ombros. De um lado, minhas expectativas de enxergar um adulto autônomo; de outro, o desejo do filho de assumir por si mesmo a nova fase. Nesta disputa nem sempre tão velada, minha insegurança sobre os resultados; de outro, a do meu adolescente de não atingi-los por meios próprios. Resultado: reiterados julgamentos e condenações mútuas.
A capa de super-herói de um passado ainda recente parecia repentinamente desgastada e, dia após dia, me escapava dos ombros.
Aprender a lidar e resolver as próprias questões é parte do exercício de amadurecimento em especial ao adolescente sob constantes – e fortes – holofotes dos pais. A prova do que aprendeu, observou e reapreendeu quando criança se torna real, prática e diária – potencializada pelo empenho (quando não ansiedade) dos pais desejosos de vê-la resolvida com desenvoltura – torna o processo um suplício difícil de viver.
Depois de muitas discussões, consegui desvendar das ladainhas críticas do filho mais do que uma “rebeldia comum da fase”, como repetido por muitos: vi a frustração de nunca parecer corresponder minhas expectativas do que é ser adulto. De minha nova lente, a perspectiva sobre meu filho também mudou a ponto de compreender o peso de minhas intervenções em seus insipientes e trôpegos passos na vida adulta que apenas começava.
Desconstruir a mãe super-herói me criticando ao estilo adolescente de forma mal elaborada e expressada sem dúvida me custou mais do que paciência: exigiu-me autocontrole, humildade, escuta e muito mais. Não à toa, portanto, mudei... junto com ele. As críticas, antes retrucadas de imediato, pouco a pouco me libertaram da, cá entre nós, pesada e já rota capa da mãe super-herói para assumir minha autêntica humanidade: imperfeita e ainda assim mãe aos olhos do meu filho. Aprendi que ser adulto independe de idade; é exercício contínuo, nunca acabado, de aprimoramento constante e vitalício.
Enxergar e compreender meu adolescente sob esta nova perspectiva mudou nossa relação e convívio. Diferente do que temia, não me “diminuiu” tampouco me tornou mãe menos atuante e comprometida com a sua formação. Temos nossas diferenças mas não mais críticas mútuas sobre quem somos. Ampliadas nossas possibilidades de efetivamente viver uma história diferente da habitual, hoje mais conscientes, realistas e maduros, seguimos crescendo juntos na busca de sermos mais do que simples adultos: sermos adultos melhores a cada dia, apesar e a partir de nossas imperfeições.
Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog ”Minha mãe é um saco!”.