• Carregando...

Explosiva, a ligação da política partidária com igrejas e religiões vai além dos estudos e teses acadêmicos, no Brasil e no mundo. O assunto está na berlinda porque a ministra Dilma Roussef, provável candidata à presidência, foi a uma missa do padre-cantor Marcelo Rossi, no Santuário do Terço Bizantino, em São Paulo. Participou do ato civilizadamente, sem a compunção de sua assessora maior, Erenice Guerra, esta emocionadíssima com os estribilhos, coreografias e volteios do padre. Houve protestos oposicionistas, é claro, com acusações de "exploração da religião".

A verdade é que os padres, pastores e outros líderes religiosos sempre foram chamarizes para políticos mundo afora. Getúlio, dito agnóstico, no fundo, positivista, ajudou a Igreja Católica a recuperar forças e prestígio nacionais – perdidos com o advento da República – ao eleger o cardeal Leme, do Rio, como seu mais dileto "afilhado". E assim colheu dividendos junto às multidões então firmemente católicas. Em contrapartida, ganhou redobradas bênçãos cardinalícias.

Aqui os líderes católicos foram sempre os maiores alvos da cobiça política, como ainda é a figura do padre Cícero, no Nordeste. Collor, por exemplo, apegou-se até o fim à figura alquebrada e com aura de santidade do capuchinho italiano frei Bozano, o grande apóstolo do século XX, e fez-se fotografar ao seu lado, "ouvindo" – é a versão – seus conselhos. Não deve tê-los escutado...

Na esfera espírita-kardecista, o grande "puxador" de votos foi Zé Arigó, curador renomado, anos 60/70s, parceiro de notáveis, como Juscelino e o senador Lúcio Bittencourt, um ícone do velho PTB; Chico Xavier, conhecido pela dita psicografia, foi insaciavelmente perseguido por candidatos, embora sempre se negando a apoiá-los. Mas os políticos sempre deram um jeito de associar-se a esses dois mineiros.

O pentecostalismo brasileiro relutou em entrar no mundo dos votos e das barganhas políticas. Entrou, formou bancada na Câmara dos Deputados, que cresceu vertiginosamente até 2002 sob o apelo de "irmão vota em irmão". Depois, o filão começou a dividir-se, muitos querendo o mesmo bolo... De qualquer maneira, assinale-se que os novos pentecostais facilitaram a mistura religião/política e deram reforço à inserção dos crentes na política.

Hoje pentecostais, neopentecostais e protestantes tradicionais (em queda numérica) estão Brasil afora, em Câmaras Municipais e Assembleias. Cresceram em representatividade e com presença nas esferas decisórias.

Os primeiros pentecostais – ou seus protegidos – a entrar em casas legislativas foram produzidos por um dos gênios da arquitetura imaterial de igrejas, Manoel de Mello, fundador da Igreja Brasil Para Cristo, anos 60. Esse ex-pedreiro foi o responsável, em São Paulo, por acordos políticos com o então poderosíssimo dirigente da cadeia Associada de jornais, rádios e TVs, Armando Monteiro, que se fez deputado federal com o empurrão forte de Mello. Foi o ponto de partida para grandes associações na área e para vitórias eleitorais.

Essa ligação nem sempre santa entre o altar e políticos não é privilégio brasileiro. Na verdade, somos aprendizes se comparados, por exemplo, com os EUA. De lá vêm alguns exemplos clássicos, o maior deles o do pastor batista Billy Graham, octogenário que foi capelão dos últimos seis presidentes norte-americanos. É uma presença fundamentalista forte, garantindo a ligação do sagrado (protestantismo tradicional, embora os batista se vejam como anteriores à Reforma) com escalões decisórios do governo. Assim como são importantes exemplos desse caminhar juntos – religião e políticos – o gesto de Barack Obama: ao tomar posse, um pastor fundamentalista e um bispo anglicano no epicentro de controvérsia por ser gay assumido – fizeram as orações intercessórias pelo novo governante. Isso sem esquecer que um ex-pastor de Obama quase colocou a pré-candidatura dele a perder, com posições racistas contra os brancos.

Hoje padres-cantores, daqui e de fora, são disputados por políticos e autoridades. Assim como o pessoal dito "progressista" apegou-se a dom Hélder Câmara e a dom Paulo Evaristo Arns nos chamados anos de chumbo, em apoio às suas teses.

Garotinho e Rosinha, no Rio, haviam estabelecido uma "nova ordem" de matriz evangélica a comandar ações sociais do governo e a ex-ministra Benedita da Silva começou a cair quando não conseguiu explicar uso de dinheiro público para viagem internacional de caráter evangélico.

Os antigos políticos religiosos, como Feijó (era padre e até tentou criar uma igreja católica nacional), são anjos, se cotejados com os religiosos que vendem o paraíso ou o trocam por votos com multidões que não estão interessadas em doutrina, mas só em prosperidade material guiadas por manipuladores da religião.

À Igreja Católica cabe maior responsabilidade no orientar seus quadros eclesiásticos, como já o faz, limitando-lhes participar de eleições como candidatos. Assim age tangida pela força moral e a responsabilidade de quem fundou a nação e imprimiu-lhe marcas e matrizes culturais que jamais passarão. Mesmo que, até, um dia, deixe de ser majoritária.

Aroldo Murá G. Haygert é jornalista, coordenador do Projeto Memória Paranaense, professsor do Grupo Uninter e autor de Vozes do Paraná. É presidente do Instituto Ciência e Fé.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]