“Para que um sistema totalitário funcione com eficiência, não basta que todos sejam obrigados a trabalhar para os mesmos fins: é essencial que o povo passe a considerá-los seus fins pessoais. Embora seja necessário escolher as ideias e impô-las ao povo, elas devem converter-se nas ideias do povo, num credo aceito por todos do modo desejado pelo planejador. Se o sentimento de opressão nos países totalitários é, em geral, bem menos agudo do que muitos imaginam nos países liberais, é porque os governos totalitários conseguem em grande parte fazer o povo pensar como eles querem.”
O trecho acima se encontra no capítulo “O Fim da Verdade” do livro O Caminho da Servidão, publicado em 1944, escrito por Friedrich August von Hayek, um dos mais notáveis economistas do século 20. Esta obra busca reforçar que, mesmo vivendo em um regime democrático, devemos sempre vigiar os incentivos sistemáticos ao coletivismo e intervencionismo que lentamente suprimem os direitos naturais à vida, liberdade e propriedade privada dos indivíduos. Já na década de 1940, Hayek percebia que a centralização da cultura e da educação eram ferramentas excelentes de controle estatal, e que as promessas rasas e incalculáveis de políticos tendem a colocar os piores e mais mentirosos no poder, pois as regras democráticas favorecem aquilo que soa belo à custa do que é racional e factível.
Hoje, quase sete décadas depois, podemos dizer que os alertas que Hayek fez são atemporais: com o tempo, grandes nações como os EUA, caracterizadas pelo laissez-faire, caminham lentamente para mais controle e intervencionismo sobre a vida privada. Vocês se lembram do Grande Irmão de 1984, de George Orwell? Outro ponto é que os belos discursos utilizados como ferramentas de poder tendem a se moldar ao perfil socioeconômico das sociedades. É por isso que o populismo praticado onde pessoas ainda têm barriga vazia e falta de saneamento básico será diferente do praticado em nações com maior abundância material. É nesse último cenário que surge aquela famosa voz de criança anunciando previsões catastróficas para o futuro da humanidade, caso não ouçamos o que certos grupos políticos têm a dizer sobre como estamos destruindo o nosso mundo e o que devemos fazer.
Recentemente, a produtora de documentários Brasil Paralelo lançou o filme Cortina de Fumaça, que, abordando diversos temas como agronegócio, antropologia e meio ambiente no Brasil, faz uma provocação pertinente sobre a aplicação do acolhedor e emocional discurso ambientalista para fins de poder. Um dos entrevistados neste documentário é Patrick Moore, um dos cofundadores do Greenpeace, que afirma que o ambientalismo abandonou seu caráter científico e se tornou meramente político, trabalhando com desinformação, emoção e sensacionalismo.
Nesse documentário, percebemos como o nosso país, apesar de ter dois terços de seu território coberto por vegetação nativa, e apenas 9% ocupado por atividades agrícolas, recebe duras críticas de governantes de nações cuja metade do território é ocupada pela agricultura, mas onde só uma ínfima parcela de vegetação é nativa. Até que ponto essas críticas não são um tipo de espécie de cortina de fumaça que esconde os receios mercadológicos por trás do sucesso da produção agrícola brasileira, cada vez mais eficiente e competitiva, ganhando espaço no mercado internacional? Sem mais spoilers, deixo essa pergunta e recomendo o documentário.
Não querendo causar falsas impressões, é fundamental destacar a importância de cuidar do meio ambiente, tornando-o cada vez mais sustentável, bem como deixar um mundo melhor para as próximas gerações. Porém, quero externar que, repetindo Hayek, o conhecimento é descentralizado, e é dessa forma que ocorrem os avanços mais significativos no meio ambiente, seja a invenção do querosene salvando baleias, o mercado de digitalização de processos preservando árvores ou o ativismo voluntário local. Os próprios fenômenos recentes do ESG (Environmental, Social and Governance) demonstram como o próprio mercado consumidor valoriza cada vez mais os comportamentos socioambientais.
Se a atividade fim de cuidar da natureza é tão importante, como verificar uma ação pertinente em meio a um discurso/proposta que usa o ambientalismo como um meio para conquista de poder? Nesse caso, acredito em duas sugestões: a primeira seria identificar os incentivos por trás do discurso/proposta: por exemplo, se uma ONG vai ganhar mais recursos quanto mais catastrófico ou pior ela apresentar um problema em um determinado setor de atuação, que incentivo ela tem para solucionar o problema? A segunda seria identificar a responsabilidade. Sempre que alguém surgir com uma determinada solução ambiental global, e sua solução ou previsão estiver errada, ele será responsabilizado por isso?
Há skin in the game? Por exemplo, se a solução da Tesla em meios de transporte mais sustentáveis se provar ruim, a Tesla pode vir a falir; mas, se um grupo político cria uma lei hoje e proíbe os carros convencionais, este se responsabilizará pelas consequências não intencionais e possíveis erros de previsão?
Pode parecer clichê, mas o preço da liberdade é a eterna vigilância: enquanto prezarmos por nossas liberdades individuais, tratando-as como inegociáveis, devemos ter em mente que não existem soluções simples para problemas complexos, e que não há nada mais eficiente do que o conhecimento descentralizado para propor soluções inovadoras no que tange a um futuro mais sustentável para as próximas gerações.
Gabriel Maradei, formado em Engenharia Mecânica e pós-graduado em Escola Austríaca pelo Instituto Mises Brasil, é associado ao IFL-SP e atua no mercado de gases industriais e medicinais.