Ouça este conteúdo
O Estado deveria ser o exemplo maior de comportamento ético e segurança jurídica. No entanto, é histórico o não cumprimento de contratos e atraso de pagamentos por parte do Estado aos seus fornecedores e empreiteiros. Graças a isso foi construída uma relação incestuosa. O Estado não cumpre os contratos, mas faz uma compensação ao fornecedor que gera aumento de custos dos produtos e serviços, onerando o cidadão pagador de impostos. Assim surgiram os “aditivos”, fraudes, superfaturamento, desvios, roubos, corrupção, financiamento de campanhas, propinas e toda espécie de falcatruas em elevado grau de sofisticação, tendo a sociedade como a grande perdedora. Essa relação se dava, direta ou indiretamente, por meio de políticos e servidores públicos. Se há um corruptor ativo, tem de haver um corrompido passivo, ou vice-versa.
Como consequência, isso gerou um custo tão elevado das obras no Brasil ao ponto de o empresário Antônio Ermírio de Morais falar, em alto e bom tom, publicado nas manchetes dos jornais, que construiria uma hidrelétrica com um terço do que o governo gasta para construí-la. Silêncio total por parte do governo e dos empreiteiros porque era um fato. Assim, o custo de infraestrutura no país foi muito elevado, pois também havia a reserva de mercado, ou seja, empresas estrangeiras não podiam competir com as brasileiras, que contaram com o apoio de políticos e membros da máquina implementando regras que dificultavam e impossibilitavam a participação de construtoras do exterior em nome do falso nacionalismo e do prestígio à “indústria nacional”. Falava-se que as obras eram “divididas” entre as maiores construtoras, que formavam um sindicato fechado e davam cobertura de preços umas às outras; vez ou outra, uma construtora menor se rebelava e tinha de ser acomodada como subempreiteira ou levando obras menores.
Durante o governo militar, de 1964 a 1985, apesar de não se ter notícia dessa corrupção desenfreada, o ímpeto pela entrega de obras era grande, tanto que forçou empreiteiros a se endividarem junto a bancos para cumprir o cronograma de entrega, mesmo sem o devido pagamento. A Ecisa foi uma dessas empreiteiras que se endividaram. O governo não cumpriu a sua promessa e a empresa quase foi à falência. A péssima experiência a fez mudar de ramo, para longe do governo, abandonando a construção civil pesada e partindo para o negócio de shopping centers.
Nesse ambiente aparece a figura única de Donald Stewart, acionista da construtora, que, decepcionado com o poder coercitivo do governo, decide abrir um instituto para disseminar o ideário liberal a favor da redução do tamanho do Estado e mais liberdade para o indivíduo. Surgia assim, 38 anos atrás, em 16 de janeiro de 1983, o Instituto Liberal.
Donald Stewart Jr. (1931-1999), filho de canadenses, engenheiro e empresário, desde muito cedo tomou conhecimento do ideário liberal por meio da leitura dos autores da Escola Austríaca, Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich A. Hayek (1899-1992). Tornou-se um ativista liberal e escreveu os livros O que é o liberalismo e A organização da sociedade segundo uma visão liberal, ensaios como “A lógica da vida”, e traduziu diversos livros, dentre os quais Ação humana, de Mises, e Intervencionismo: uma análise econômica, de Hayek.
Donald Stewart era indignado com o agigantamento do Estado devido ao grande número de estatais “bras” (Telebras, Radiobras, Petrobras etc.), enorme endividamento, forte presença do nacionalismo, aumento da máquina pública, protecionismo e subsídios. Todo esse contexto fez com que se dedicasse à divulgação das ideias liberais. Tornou-se um ativista liberal que influenciou inúmeras pessoas por meio do instituto, cujo objetivo inicial era a tradução, publicação e distribuição de livros, artigos, panfletos, police papers e textos sobre o liberalismo. Pela primeira vez foram publicados livros de autores liberais no país, contornando o patrulhamento ideológico naquela época existente nas editoras. Assim foram editadas obras de Mises, Hayek, Bastiat (1801-1850), Ayn Rand (1905-1982) e Ricardo Vélez-Rodriguez.
O instituto passou a promover inúmeras palestras, colóquios, seminários e congressos objetivando a divulgação das ideias liberais. Integraram o Instituto Liberal intelectuais, políticos, escritores, jornalistas e empresários dentre os quais destaco aqueles que não mais se encontram entre nós, como Roberto Campos (1917-2001), José Guilherme Merquior (1941-1991), o professor Og Leme e o embaixador Meira Penna (1917-2017).
O Brasil tem sido governado pelos social-democratas nos últimos 35 anos. A nossa Constituição, denominada de “cidadã”, foi uma obra social-democrata. Como resultado da Carta Magna de 88 e das políticas social-democratas, temos um Estado gigantesco, inchado, burocrático, lento e oneroso para o pagador de impostos, e que interfere na vida do cidadão e do empreendedor.
sO Estado está endividado com enormes déficits, a carga tributária passou de 23% para 34% do PIB desde que os social-democratas assumiram o poder em 1985, a prestação de serviços à população deixa a desejar em todos os setores como educação, saúde, segurança, saneamento e infraestrutura, além do grande número de estatais ineficientes que valem R$ 1 trilhão e poderiam ser vendidas para reduzir a gigantesca dívida ou alocar estes recursos onde melhor for. Lembrando que essas estatais são uma violação do artigo 173 da Constituição, e que temos um Estado-empresário cujo levantamento constatou 698 empresas entre as de controle direto da União, suas subsidiárias, coligadas e investidas. O Estado não deveria competir com a iniciativa privada.
VEJA TAMBÉM:
Enfim, o modelo social-democrata no país tem se mostrado ineficiente. Precisamos mudar e transformar o país, sendo a única solução a implementação das ideias liberais. Assim, a responsabilidade do Instituto Liberal hoje é maior do que quando foi fundado, pois o país se encontra em delicada e frágil situação política, econômica e social. As ideias liberais merecem uma chance para contribuir com alternativas para a solução de nossos graves problemas. O modelo social-democrata que aí está é exatamente o grande problema brasileiro.
Salim Mattar, empresário, fundador da Localiza e dos Institutos de Formação de Líderes em Belo Horizonte, São Paulo, Florianópolis, Rio de Janeiro e Brasília, foi secretário especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia entre janeiro de 2019 e agosto de 2020.