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O utilitarismo ético elevou os sentimentos de prazer e dor a parâmetros objetivos a fim de fundamentar a moralidade. É o modelo ético do tipo consequencialista mais conhecido e, hoje em dia, sem dúvida o mais influente. Toda ética consequencialista, por definição, defende a tese de que o que determina o valor moral das ações humanas são as suas consequências e não a qualidade das intenções ou a disposição do caráter do agente moral.

Valores tipicamente humanos como o bem, a coragem e a compaixão são reduzidos, na ética consequencialista, às meras expressões de sensação de dor ou prazer. “Bem” define-se por “qualquer coisa que desperte a máxima felicidade total”. A avaliação quantitativa da “felicidade total” se reduz às análises das sensações de prazer e dor como único instrumento objetivo de que dispomos para julgar o valor das nossas ações.

Os animais têm sentimento, é lei... E o que muda?

Nos últimos meses têm sido veiculadas nas redes sociais notícias de diferentes nações – inicialmente, a Argentina; mais recentemente, a França – se posicionando com relação à existência da senciência animal, ou seja, a capacidade de sentir sofrimento e prazer.

Leia o artigo de Marta Fischer, professora do mestrado em Bioética da PUCPR

Por ser uma avaliação quantificável e independente da qualidade da intenção ou do caráter do agente, então cabe à ciência natural positiva julgar, em última instância, se uma ação deve ser considerada moral ou imoral. As reflexões filosóficas acerca da moralidade perdem o terreno para uma suposta “ciência natural” que tem a pretensão de determinar valores morais.

A vantagem desse tipo de ética está na flexibilidade de poder ser ampliada ao reino dos animais não humanos. É um raciocínio relativamente simples: animais sentem. Logo, são portadores de moralidade. Desse modo, entrou para o vocabulário dos julgamentos morais a estranha noção de que existe uma “ética animal”.

No caso de um futuro hipotético não tão distante, se a ciência descobrir que um pé de alface sente, então o simples ato de temperar uma salada será considerado imoral. Em tempos mais distantes, humanos evoluídos se alimentarão de luz e os não tão evoluídos ainda serão julgados apenas por saborear um delicioso ensopado de pedras. O último passo da evolução humana é fazer fotossíntese.

O utilitarismo tem muitos empecilhos. O mais gritante é a dificuldade com o significado da experiência de felicidade sentida por um sádico na dor. A perversidade, que assinala no homem a disposição profunda para praticar o mal por praticar, impõe limites intransponíveis para o defensor desse tipo de ética.

O termo “ética” define a maneira de viver dos seres humanos. É o que nos diferencia da natureza. E não faz o menor sentido falar em ética no e do reino animal, uma vez que a transferência de qualquer tipo de valor moral aos animais não humanos consiste numa capacidade estritamente humana de atribuir valor a tudo, incluindo os animais.

A noção de “ética animal” expressa uma contradição nos termos. O “animal ético”, por definição, não é outro senão o homem. Pois, ainda que reconheçamos – e nos compadeçamos – o sofrimento como aquilo que deve ser evitado, somos nós, humanos, os únicos seres capazes de reconhecer essa exigência da razão como um dever.

Nenhum animal que não seja humano foi, é ou será capaz de compreender isto: o que determina o grau de moralidade de uma ação é a exigência exclusiva de seres racionais, livres e conscientes de suas intenções, dos meios pelos quais e dos fins para os quais toda ação tende a se realizar. E, até o presente momento, nada no universo, a não ser os humanos, demonstrou o exercício dessas capacidades na hora de agir.

Francisco Razzo é mestre em Filosofia pela PUC-SP.
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