Para muita gente, 2008 é um ano para ser lembrado pelas coisas boas: mais de 2 milhões de empregos gerados, economia em expansão, crédito fácil para comprar a casa própria... Para outros, as lembranças serão amargas: enchentes de Santa Catarina e agora de Minas Gerais e do Sudeste, a reversão econômica do último trimestre, o desemprego no mês do Natal, a explosão da bolha financeira que carregou para a lata de lixo poupanças e esperanças no mundo todo. Em uma coisa, todos concordam: ninguém morreu de tédio no ano que está findando. O impensável, o improvável e o impossível resolveram se unir, fazendo de 2008 um marco zero para os tempos que virão.

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Um negro chamado Barack Hussein Obama foi eleito presidente no país que, apesar da crescente miscigenação racial, se considerava política e culturalmente povoado por louros dolicocéfalos atendendo pelos nomes de Frank, Charles, Douglas, John e George. Uma boa parte dos gringos deve ter pensado: Barack? What the hell is that? Hussein? O ditador do Iraque que tinha as tais armas de destruição em massa não se chamava Hussein? Obama? Não me lembro bem, mas acho que na peça do Rei Leão da Disney há um personagem com esse nome. Em novembro, um cidadão que, há menos de cinqüenta anos não poderia nem beber água nem utilizar a mesma privada de um branco foi eleito presidente dos Estados Unidos da América. Nada menos tedioso.

O pós-Segunda Guerra Mundial transformou os Estados Unidos numa espécie de modelo de como gerir a economia de maneira eficiente e prática. A promessa de campanha de Herbert Hoover em 1928 de colocar "uma galinha em cada panela e um carro em cada garagem" parecia concretizada na medida em que a economia americana era capaz de colocar dez galinhas em cada panela e a trinca GM, Ford e Chrysler liderava o mercado automotivo mundial. A economia norte-americana sempre despertou inveja pela capacidade de inovar e se renovar continuamente, mas também alimentou suspeitas persistentes: até que ponto era afluência ou desperdício puro e simples? É realmente necessário que um país sozinho gaste mais de 25% da energia consumida no mundo e gere mais de um quarto da poluição mundial? Quando o dinheiro escasseou e o custo do petróleo triplicou, os mastodontes produzidos pela indústria automotiva ianque adquiriram um ar jurássico indisfarçável. E a trinca bateu às portas do governo pedindo socorro para não quebrar e deixar cinco milhões de pessoas sem emprego, um risco ainda grande. Nível de tédio: zero.

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O sistema financeiro mundial implodiu. Quem imaginaria que, depois de esnobar os governos e os reguladores por décadas ou mesmo séculos, os grandes bancos mundiais acabassem 2008 tendo os governos como sócios? E sócios cheios de idéias sobre o que está errado com os bancos mundiais e o sistema financeiro. Para coroar, descobriu-se que um dos darlings do mercado financeiro havia, simplesmente, montado uma gigantesca pirâmide fraudulenta de US$ 50 bilhões, sem que ninguém (será mesmo?) notasse a tempo. Índice de monotonia: zero.

E nós? Não ficamos livres dos sobressaltos, pois a crise também está nos atingindo com força, embora sem o mesmo poder de devastação. Mas ainda estamos mais próximos da música de Chico Buarque: "todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso casual e me beija com a boca de hortelã"... Todo dia o presidente Lula faz um discurso recheado de metáforas futebolísticas, todo dia os políticos insistem em inventar novas formas de mamar na viúva, todo dia o Judiciário concede liminares, cassa as liminares que concedeu, restaura-as, cassa-as de novo e concede-as de novo; todo dia os empresários e banqueiros inventam novas maneiras de assegurar que se a farinha é pouca, o pirão deles deve vir primeiro; todo dia o MST invade propriedades e doutrina seus seguidores com a complacência e o dinheiro público... Que monotonia.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.