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O casal Lélia e Sebastião Salgado acaba de lançar um apelo assinado por personalidades do mundo todo, alertando para não sermos cúmplices do genocídio que está sendo cometido contra nossos indígenas por madeireiros, grileiros, garimpeiros, latifundiários, com apoio do presidente da República e usando o coronavírus como arma. A ciência mostra que a pandemia só será enfrentada se forem tomadas medidas para isolar pessoas. O desrespeito à ciência é um gesto genocida.
O efeito do isolamento sobre a economia deve ser mitigado por medidas econômicas, não antissanitárias. Negar cuidado a quem ficou sem dinheiro e sem emprego é um crime social que deve ser evitado por transferência de renda. Esse crime social vem sendo cometido há séculos no Brasil, negando-se saneamento, emprego e renda à metade de nossa população. A pandemia tem agravado esse crime cometido com apoio da minoria privilegiada contra nossos índios, negros e pobres.
Estima-se que 75 milhões de indígenas foram mortos por ação, deliberada ou não, de minorias privilegiadas e seus governos. Pessoas e etnias inteiras, culturas e idiomas, foram eliminadas por exploração, expulsão ou contaminação em guerras em que vírus e bactérias invadem a área, como exércitos, antes de madeireiros, mineradores, garimpeiros, grileiros, latifundiários e empresas agrícolas. Em nome do progresso e da ganância. Com a ajuda de armas, vírus e máquinas, o genocídio foi sendo executado.
O governo Bolsonaro é reconhecido como genocida por ignorar a ciência e incentivar a disseminação do vírus nas cidades, mas ele ainda é mais explicitamente genocida pelo incentivo consciente à expulsão e morte dos povos indígenas de suas terras e pela destruição do meio ambiente que sustenta esses povos. Mas é preciso reconhecer que ele não está só. Da mesma maneira que a população alemã no passado foi conivente com crimes nazistas, nós todos somos genocidas por omissão. Mais culpados do que os alemães, porque eles não tinham as informações que nós temos.
A iniciativa de Sebastião Salgado e sua esposa Lélia reúne grandes personalidades, como artistas, escritores, líderes políticos, em um apelo para que nossa geração de brasileiros não fique na história como bárbaros coniventes com genocidas. É como se há 500 anos os personagens mundiais da época tivessem alertado aos portugueses e espanhóis do genocídio que estava sendo cometido contra os nativos das Américas. Os que assinam esta nota fizeram um apelo ao mundo, em que nos alertam para deixarmos de ser cúmplices com o genocídio contra os povos indígenas. Façamos nossa parte: gritemos contra.
Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.