Quem melhor definiu Hugo Chávez foi o ex-embaixador Marcos Azambuja: Chávez não é a novidade na política latino-americana: é a antigüidade. Com o tipo de filosofia política e de praxis administrativa que o quase-ditador venezuelano vem adotando e exportando para seus vizinhos mais pobres e igualmente anacrônicos, o continente vem recuando mentalmente várias décadas.
Nada do que Chávez e Morales têm feito é exatamente novo. Ou já esquecemos o populismo assistencialista de Peron e de Evita, que ajudou a dissipar a enorme riqueza argentina após a Segunda Guerra? E dos periódicos surtos de populismo explícito em vários países da América Latina, como o Peru e a própria Venezuela, a Bolívia ou no próprio Brasil, no passado? Onde nos levaram os espasmos passageiros de generosidade pública ou de esperteza política senão a recaídas inevitáveis e dolorosas?
E a retórica anti-americana, que tem de novo? Desde que o general Porfirio Diaz declarou com ironia cortante que seu país, o México, era digno de pena por estar "tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos" , nada de inteligente, divertido ou inédito se disse sobre os ianques. Chávez só consegue morder seus calcanhares com declarações agressivas e inócuas. Inócuas porque o mundo inteligente já abandonou o paradigma da dominação imperialista americana há muito tempo, enquanto que o bicentrismo compartilhado por americanos e soviéticos já foi sepultado há quase vinte anos. Hoje em dia, os centros de poder político, econômico e estratégico formam uma estrutura policêntrica, que é conhecida por "tríade", incluindo os Estados Unidos, a Europa e o Oriente. Nenhum estudioso que tenha passado da coleção Primeiras Letras acredita mais que os americanos têm o poder de comandar o mundo sozinhos. Não conseguem comandar sequer o Oriente Médio, onde estão sendo humilhados por uma mistura de sectarismo político-religioso e interesses regionais de Irã, da Síria, da Rússia... No dia em que os Estados Unidos conseguirem descobrir uma maneira eficaz de controlar a China, com seu 1,4 bilhão de habitantes, 2,8 milhões de soldados e um crescente poderio tecnológico e industrial, se poderá falar em monocentrismo. Até lá, é mera retórica vazia que serve como uma luva para atores anacrônicos como Chávez, Morales e Corrêa: eleja um inimigo externo e coloque nele toda a culpa pelas mazelas de seu país. Essa trilha está mais batida que o Caminho de Santiago.
Daí vem a cantilena habitual. Fidel Castro alfabetizou os cubanos, Chávez está alfabetizando os venezuelanos. Fidel implantou uma medicina socializada em Cuba que não tem paralelo nos países de terceiro mundo. Chávez melhorou as condições de vida dos mais pobres. Mas sempre cabe uma pergunta incômoda: não são recompensas demasiado modestas para a opressão política e a restrição sistemática das liberdades civis, que em Cuba já dura meio século e que na Venezuela tende a se perpetuar? Em muitos lugares do mundo, as populações foram educadas e tratadas com dignidade nos serviços públicos sem ter de pagar preço tão elevado. Não é necessário olhar para a Europa ou para a América do Norte, que fizeram isso já no século dezenove; basta voltar os olhos para a pequena Costa Rica, vizinha despretensiosa e próspera.
E o Brasil onde fica em tudo isso? Tenho duas teorias, uma otimista, outra pessimista. A otimista é que estamos sendo pragmáticos pois em 2003 o Brasil exportou US$ 650 milhões para a Venezuela; já em 2006, este valor pulou para US$ 3,55 bilhões; e importou menos de US$ 600 milhões. No caso da Bolívia, excluido o gás (de cuja dependência estaremos livres em três ou quatro anos), o Brasil compra US$ 180 milhões e vende US$ 700 milhões. Quem sabe, o governo Lula esteja pensando como Henrique de Navarra, a quem foi imposta a conversão ao catolicismo para ser coroado rei da França: "Paris bem vale uma missa..." Para vender US$ 3 bilhões a um comprador com os cofres (ainda) recheados de dólares, imagino que Lula e seus companheiros estejam mantendo a cabeça fria e pensando: "US$ 3 bilhões de superávit bem valem engolir alguns sapos, vestir algumas guayaberas e ensaiar alguns passos de joropo". A teoria pessimista é imaginar que realmente estão se deixando levar pela balela da retórica bolivariana, o que quer que isso signifique.
PS: Novidade seria Gustavo Fruet no comando do Câmara. As chances são pequenas, mesmo porque a nossa tradicional autofagia política não permitiu que todas as correntes locais esquecessem as brigas paroquiais e se mobilizassem para lutar por ele. Acho que temos de reformular a frase de Otto Lara Rezende a respeito da solidariedade dos mineiros. Não são os nossos patrícios das Alterosas que só são solidários no câncer; nós paranaenses também. Mas vale a torcida.
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