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Sede do Banco Central, em Brasília.
Sede do Banco Central, em Brasília: instituição tem sido alvo de críticas.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Corrido o páreo presidencial, caberia ao vencedor – por maioria apertada – externar altura e dignidade democrática para olhar a nação em seu todo complexo, lançando pautas de conciliação, entendimento nacional e união cívica para bem guiar o país nos desafios do futuro. Da teoria à prática, não precisou muito; bastaram apenas três meses para o tom estar posto. E a partitura inicial, ao invés de exaltar o espírito público soberano, esparrama-se em notas ideológicas míopes e, assim, incapazes de bem enxergar a realidade institucional da República.

A política, não raro, atropela a razão constitucional. Então, é preciso grifar: a autonomia do Banco Central é um bem da República e uma conquista do povo brasileiro.

O primeiro ato foi a fragilização da Lei das Estatais, viabilizando a investidura de amigos do rei. Em flagrante desprestígio a avanços legislativos importantes, restou indicado que incrementos institucionais à eficiência, impessoalidade e probidade na administração soam não ser pautas prioritárias. Atordoado, o cidadão – consciente e atento – fica incrédulo: serão os famigerados “mensalão” e “petrolão” meros devaneios ilusórios de um passado nem tão distante? Terão as revelações prestadas em delações premiadas, judicialmente homologadas, simples efeito teatral sem conexão com a realidade da vida? Aliás, haverá história digna sem memória séria?

Ora, a marcha do atraso volta a galopar com força. O grave é que o ataque recente se dá sobre conquista política republicana inegociável: o fim da inflação e a estabilidade do Plano Real. Objetivamente, visando proteger o Banco Central do Brasil (BCB) de investidas governamentais febris, a Lei Complementar 179/2021 determinou que o desempenho da autoridade monetária se caracteriza “pela ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos” (art. 6°). Ou seja, o BCB atua de forma independente – goste, ou não, o eventual inquilino do Planalto.

Isso, naturalmente, não significa que a autoridade monetária esteja alheia a controles ou à prestação de deveres públicos. Por determinação expressa de lei, é responsabilidade do presidente do Banco Central do Brasil apresentar, no Senado Federal, em arguição pública, no primeiro e no segundo semestres de cada ano, relatório de inflação e de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior (art. 11, LC 179/2021). Além disso, nos termos do art. 50 da Constituição, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas comissões, possuem prerrogativa para convocarem ministros de Estado e titulares de órgãos públicos para prestarem, pessoalmente, informações sobre assuntos previamente determinados.

Como se vê, as instâncias de controle, à luz de um diálogo constitucional profícuo e integrador, são múltiplas e variadas. Todavia, em nenhum momento, foi dado ao presidente da República ou ao ministro da Fazenda prerrogativa para invadir competências que não são suas. Aliás, o primado da separação de poderes (art. 2°, CF) informa diretriz constitucional de limitação e autocontenção de competências públicas; logo, aquele que se pensa absoluto, capaz de tudo e qualquer coisa, extravasando limites legais intransponíveis, fere princípio fundante da República Federativa do Brasil, tangenciando posturas totalitárias.

Por fundamental, importante sublinhar que a autonomia do Banco Central – e seu natural incremento institucional qualitativo – pertence aos cidadãos e à República, não podendo recair em filigranas de interesses políticos passageiros e suas ideologias enviesadas. Quanto ao ponto, no julgamento da ADI 6696/DF, há passagem lapidar no voto do ministro Luís Roberto Barroso: “Uma democracia precisa de árbitros neutros, instituições que não possam ser capturadas pela política ordinária – vale para a Procuradoria-Geral da República, vale para a Polícia Federal, vale para a Receita Federal e passa a valer para o Banco Central. Não são instituições submetidas à vontade política do governante, mas a compromissos com a Constituição e com o Estado brasileiro”.

Adiante, veio a concluir o ministro Barroso: “Responsabilidade fiscal não é nem de esquerda e nem de direita, não é nem monetarista e nem estruturalista. É apenas um pressuposto das economias saudáveis. O descontrole fiscal traz recessão, desemprego, inflação, desinvestimento e juros altos. Os mais penalizados por esse tipo de conjuntura são os mais pobres, de modo que, no fundo, responsabilidade fiscal é a tese progressista, é a tese que, na ponta final, protege quem mais precisa de uma economia hígida para que tenha emprego, para que não haja inflação e para que não haja juros altos”.

Apesar da clareza dos fundamentos, a primariedade política, não raro, atropela a razão constitucional. Então, é preciso grifar: a autonomia do Banco Central é um bem da República e uma conquista do povo brasileiro. Aqueles que realmente defendem os pobres deveriam saudá-la; os que legitimamente lucram e produzem riqueza, também. Aqui, não há classe social, mas apenas genuíno interesse público em favor do Brasil e dos brasileiros. Pensar o contrário é ir na contramão da história; é colocar ideologia acima da democracia; é impor retrocessos constitucionais inaceitáveis; é usurpar o poder e agredir a República.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.

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