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O lamentável incidente ocorrido com o ex-prefeito de Curitiba Saul Raiz impõe a meditação sobre as relações de trabalho médico em serviços de urgência e emergência no Brasil e, mais especificamente, no Paraná.

O censo médico divulgado recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em conjunto com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), dá conta dos piores indicadores sociais para o Paraná em relação aos demais estados da Região Sul: menos médicos contratados (em suas diversas formas de relação trabalhista) tanto no serviço público (SUS) quanto na iniciativa privada. Ao mesmo tempo, a relação de médicos para cada mil habitantes no Paraná é de 1,87, contra 2,37 no Rio Grande do Sul. Se levarmos em consideração que no Rio Grande do Sul a população é equivalente à do Paraná, concluímos sem dificuldade que os médicos paranaenses são empregados com vínculos trabalhistas de pior qualidade que os gaúchos, pois nem mesmo são computados, isto é, trabalham com vínculos precarizados.

Dito isso, vemos um ex-prefeito de Curitiba procurando o atendimento de emergência de um tradicional hospital do Centro da capital – diga-se de passagem, um hospital particular – e tendo dificuldade para ser atendido, obrigando-o a procurar o atendimento de um hospital público. Deixando de lado as circunstâncias exatas do que ocorreu com o ex-prefeito – e que serão apuradas em sindicâncias –, deve-se considerar as condições de trabalho a que se submetem os médicos paranaenses, não apenas os que atendem no sistema público, mas também aqueles vinculados à rede privada de atendimento à saúde.

A cobrança pela produtividade – seja em termos de quantitativo de pacientes (algo como até 60 atendimentos em quatro horas, mesmo em serviços de emergência e urgência), seja em termos de exames, seja ainda nos gastos em medicamentos que não são feitos – é o cotidiano de inúmeros profissionais que vendem sua força de trabalho para empresas intermediárias que operam a ligação entre os médicos e os hospitais e clínicas onde prestam seus serviços. Em inúmeras situações não há qualquer formalização dos vínculos trabalhistas; o fato cuja importância era apenas sugerida se torna evidente com a publicação do censo médico pelo CFM/Cremesp.

Quando o Ministério Público Estadual cumprir a sua obrigação de apurar a verdade dos fatos, convém prestar atenção à big picture ao redor do trabalho do médico nos serviços de urgência e emergência da capital do estado.

Leonardo Biscaia, médico, é doutorando em Sociologia pela UFPR.

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