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O ativismo e seus limites

Ativismo é a palavra e o conceito da moda.

Índios tentam invadir o Palácio do Planalto porque não gostam da ideia de que, depois de já terem recebido 13% do território brasileiro (ou seja, mais que a área de seis Paranás juntos), os processos para futuras reservas indígenas sejam analisados por vários orgãos públicos diferentes, representando inclusive as pessoas que habitam há décadas as áreas pretendidas, e não apenas pela Funai, que se vale de critérios que horrorizariam quaisquer geógrafos ou antropólogos minimamente responsáveis para deferi-las e demarcá-las. É o ativismo indígena em ação.

Amantes dos animais resolvem tomar a lei em suas mãos, invadem um instituto de pesquisa que funcionava legalmente com o argumento de que adoráveis cachorros beagles eram submetidos a maus-tratos. Arrombam o canil, subtraem quase 200 animais (muitos dos quais, passada a euforia do gesto, foram abandonados nas ruas) e o instituto é fechado. É o ativismo em prol dos animais a pleno vapor.

Alunos e funcionários da USP não se conformam com o fato de as eleições para a Reitoria não serem diretas, invadem o prédio da administração, passam mais de um mês dentro de um edifício supostamente público, contando com a leniência cúmplice de um juiz que manda a USP "negociar" com os invasores e estabelece um prazo dilatadíssimo para isso e, finalmente, "aceitam" evacuar o edifício deixando um rastro de imundície e de destruição de patrimônio público. É o ativismo estudantil em marcha.

Os membros do tal Black Bloc sumiram, depois de provocar destruições e impedir passeatas pacíficas de gente que nada tinha a ver com violência nem depredações. Na realidade, tanto o aparecimento como o desaparecimento súbito do bloco mostra que por trás dessa demonstração "espontânea" de inconformismo havia uma orquestração política de algum grupelho radical que, quando sentiu que a tolerância geral estava acabando e que, em vez das mesas de boteco para contar aos basbaques as proezas da noite anterior, arriscava dormir na cadeia em distinta e numerosa companhia, tirou o time, pois ninguém é de ferro e quem tem... tem medo, como diz o ditado.

Em Curitiba, há o ativismo dos taxistas, que montaram um lobby poderoso que transformou o prosaico ato de conseguir um carro "de praça" numa façanha hercúlea. Além de, no Brasil, taxista ter passado a ser uma profissão hereditária como os gondoleiros de Veneza, Curitiba é a única cidade que conheço dominada por três ou quatro centrais de rádio, onde é simplesmente impossível se postar na calçada e acenar para um táxi que passa... pois não passa nenhum. Enquanto isso, 750 novos táxis continuam a patinar nos meandros burocráticos da prefeitura para entrar em operação. É o ativismo corporativo fazendo a população sofrer.

E ainda há o ativismo das "redes sociais" e do "Face", a expor e denegrir as pessoas na internet sem direito a resposta nem recurso.

Alguns consideram esses ativismos como demonstrações de vitalidade democrática. Eu penso de maneira diferente: essa defesa aguerrida dos interesses de cada grupo ou categoria social nos afasta de uma agenda cívica comum, em que todos estejam unidos em favor de valores fundamentais, para que um dia – por mais remoto que seja – possamos nos transformar em um país de qualidade para todos e não para alguns ativistas mais ousados.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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