Eliminar a pobreza eliminando o nascimento de crianças pobres continua a ser a razão de viver, por paradoxal que isso soe, da Fundação Gates. São os próprios Bill e Melinda Gates que escrevem claramente na introdução do Goalkeepers Report, o mais recente relatório anual de sua fundação: “Nascem mais crianças nos lugares onde é mais difícil levar uma vida saudável e produtiva. Se as tendências atuais continuarem, o número de pessoas pobres no mundo vai parar de diminuir e poderia até começar a crescer. Mas a razão pela qual demos início à nossa fundação é que a tendência atual não deve continuar”.
Não deve continuar: o imperativo dá uma boa ideia de como o controle de natalidade é uma realidade imposta de cima, em que “cima” é a plutocracia mundial (basta ver quais e quantas ligações têm a Fundação Gates) que se apresenta como filantrópica, e como tal é apresentada pelo grande circuito midiático, influenciando o nosso modo de pensar. A visão antinatalista de Bill e Melinda Gates, que foca sobretudo a África Subsaariana, está em perfeita sintonia com as políticas da ONU e refere-se a elas explicitamente: o primeiro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas a serem conquistados até 2030 é exatamente a eliminação da pobreza. Sim, mas como? Com o quinto objetivo (“igualdade de gênero”), a ONU propõe especificamente garantir o acesso universal aos serviços para “a saúde sexual e reprodutiva”, que na sofisticada linguagem mundialista inclui sempre o aborto e a contracepção (incluindo o famigerado anticoncepcional injetável Depo-provera).
Quem não abraça essa cultura, que em décadas produziu até mesmo esterilizações forçadas, é, para esses “filantropos”, um ignorante a ser desprezado. Vejamos, por exemplo, as palavras do presidente francês, Emmanuel Macron, que no evento de apresentação do relatório da Fundação Gates disse que a taxa de natalidade da África seria fruto da “fertilidade não escolhida” e de falta de instrução. “Digo sempre: ‘Apresentem-me uma mulher que tenha decidido, sendo perfeitamente instruída, ter sete, oito ou nove filhos’” (veja a resposta à altura de algumas mães).
Não há nenhuma correlação entre crescimento da pobreza e crescimento da população: na verdade é o contrário
Para além da argumentação racista, que estranhamente não é denunciada pela mídia esquerdista que exalta Macron, nota-se que não há nenhuma correlação entre crescimento da pobreza e crescimento da população: na verdade é o contrário, visto que a crise econômica vivida na Itália e em outros países ocidentais tem, entre outras causas, sua principal origem na crise demográfica, causada, por sua vez, pela mentalidade antinatalista que invadiu a nossa sociedade, sobretudo depois do bombardeamento cultural dos anos 1960. Bill Gates e companhia deveriam sabê-lo pelas próprias projeções de seu relatório, segundo o qual em dois dos maiores países com alta taxa de natalidade (a Nigéria e a República Democrática do Congo) o número de pobres aumentará até 2050 em termos absolutos, mas diminuirá – sensivelmente – em termos porcentuais (respectivamente, queda de 7% e 26% nos dois países considerados). Como ele se contradiz sozinho...
Provavelmente, acrescentamos, os africanos pobres diminuiriam sensivelmente também em termos absolutos se as elites ocidentais parassem, em primeiro lugar, de favorecer a imigração irregular dos mais jovens, acolhendo os apelos dos bispos africanos por sua permanência, para favorecer o desenvolvimento do continente. Mesmo sobre os jovens, o Goalkeepers Report cai em uma outra contradição. Por um lado, afirma apostar nos jovens porque “são instruídos e produtivos” (as únicas categorias admitidas pela cultura materialista que excluiu Deus do horizonte); por outro, quer controlar os nascimentos. Mas é precisamente o controle dos nascimentos, sem excluir outros fatores (como uma maior expectativa média de vida, ligada a um maior bem-estar), que influi pesadamente sobre o envelhecimento da população, dificultando a mudança de gerações.
Diz, ainda, o relatório: “A África é um continente jovem. Quase 60% dos africanos têm menos de 25 anos. Compare isso com os 27% dos europeus”. A pergunta aparece espontaneamente: devemos exportar para a África a mesma crise demográfica da Europa? Assim, reiteramos, tampouco se produzirá o desenvolvimento – mas a distância entre pobres e ricos aumentará.
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É este o curto-circuito no qual se acaba quando se nega a Cristo (e, com Ele, as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade), esquecendo que nascemos e fomos criados para a eternidade. Isso era bem lembrado por um santo de recentíssima canonização, Paulo VI, na homilia feita em Manila (Filipinas) em 29 de novembro de 1970: “Digo-lhes, pobres: lembrem que têm um Amigo supremo, aquele Cristo que os proclamou beatos, como destinatários privilegiados do seu reino, e que os personificou em Si mesmo para se inclinar diante de vocês toda pessoa boa, todo coração grande, todo homem que quer salvar a si mesmo procurando em vocês o Cristo Salvador. Sim, procurem se levantar, vocês têm o direito e o dever de fazê-lo; exijam a ajuda de uma sociedade que quer se chamar civil; mas não maldigam nem a vossa sorte, nem os homens insensíveis, sabendo-se ricos dos valores da paciência cristã e da dor redentora”.
São Paulo VI prosseguia assim, voltando-se aos ricos: “Digo finalmente a vós, ricos: lembrem-se do quanto Cristo foi severo a vosso respeito, quando os viu satisfeitos, inertes, egoístas; e do quanto, em vez disso, Ele foi sensível e grato quando os encontrou providentes e generosos, e disse que nem mesmo um copo de água fresca, dado com espírito cristão, ficará sem recompensa. Talvez seja chegada a vossa hora, para abrir os olhos e os corações a novas e grandes visões, que não são votadas à luta de interesses, de ódio e da violência, mas dedicadas à caridade solícita e generosa, e ao verdadeiro progresso. Todo isso faz parte da mensagem da fé católica, caríssimos filhos e irmãos, que sou obrigado e feliz de anunciar aqui, no nome de Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Salvador”.
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