As gerações mais recentes vivem citando algumas frases sem atentar para sua autoria: "há algo no ar além dos aviões de carreira!", esta temporariamente em desuso no Brasil por razões óbvias; "negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados"; "de onde menos se espera, daí é que não sai nada". E uma bastante atual: "a sorte do Pão de Açúcar, nestes dias que correm, está em que a montanha não é de pão, nem de açúcar. Senão já teria sido comida".
Pois é, essas frases recheadas de sabedoria são do Barão do Itararé, fidalgo brasileiro autobiografado como "O Manso" e senhor feudal de Bangu-sur-Mer. Nascido Apparicio Torelly, o barão é um dos mais argutos críticos e humoristas brasileiros de todos os tempos se não for o maior. Mas o nobre fidalgo tinha um juízo ainda mais cruel sobre as práticas políticas entre nós: "para alguns, a vida pública é a continuação da privada". A cada "operação" da Polícia Federal destampa-se uma nova panela repleta de imundície. A nação fica temporariamente pasma, alguns poucos envolvidos são punidos, mas a maioria sai incólume, apressando-se a engrossar o coro dos que prometem urgentes e radicais reformas moralizadoras. Certamente confiam na falta de memória coletiva e na previsão de outro nobre, este siciliano, o Príncipe Fabrizio Salina, do Gattopardo: "é necessário que tudo mude se desejamos que tudo permaneça como está". Pois é: se algumas coisas não mudarem radicalmente, e logo, tudo continuará como está, pois a corrupção se assemelha àqueles germes que vão se acostumando aos antibióticos e se adaptam, tornando-se resistentes e mais agressivos do que antes.
Então, o que mudar? Em primeiro lugar é essencial e urgente introduzir o voto distrital no Brasil. Em segundo, restabelecer a prática de planejar e definir claramente prioridades para o uso do dinheiro público; e em terceiro, associado a isso, mudar totalmente a sistemática da preparação e execução dos Orçamentos Públicos.
Por que o voto distrital? Porque a legitimidade da representação popular cresceria enormemente. Na Câmara Federal, entre 513 deputados, somente 31 foram eleitos com seus próprios votos. Todos os demais chegaram ao parlamento com votos de legenda, legenda essa que, em muitos casos, foi abandonada rapidamente pelo deputado que a utilizou apenas para ampliar sua votação. O voto distrital evitaria o ridículo da situação da suplente do doutor Enéas, que irá representar o estado de São Paulo com menos de 4 mil votos quando o quociente eleitoral do estado foi de quase 300 mil na última eleição. O voto distrital também baratearia enormemente o processo eleitoral e eliminaria um dos focos de corrupção entre os parlamentares que é a "necessidade" de "fazer caixa" para a próxima eleição, o que os deixa vulneráveis às tentações dos lobistas e empreiteiros.
O segundo ponto é ressuscitar na administração pública brasileira a prática do planejamento e da clara definição de prioridades. Os "planos" atuais tanto no nível federal como estadual se encontram em uma dessas duas categorias: ou são uma coleção de obviedades sem uma clara e pública definição do que, onde e quando será feito; ou são meras colagens de projetos pré-existentes nos órgãos governamentais sem uma articulação mínima entre eles, como é o caso do atual Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é uma colcha de retalhos de diferentes origens e motivações. Os "planos" no Brasil são como a "donna mobile" de Verdi, volúveis "qual piuma al vento", e mudam de acordo com as circunstâncias e os interesses imediatos de alguns poucos pais da pátria.
Essa volubilidade se reflete no processo orçamentário. O orçamento público no Brasil deixou de ser uma expressão financeira dos planos governamentais para se transformar em um grande balcão de negócios em que parlamentares incluem emendas que beneficiam lobistas, governantes atribuem prioridades para obras "sugeridas" por empreiteiros e do qual políticos em geral se utilizam como moeda de troca para resolver seus problemas pessoais. O orçamento público no Brasil deveria banir de uma vez por todas essa invenção clientelista chamada de "emenda parlamentar" e passar a ser impositivo e não apenas autorizativo como é hoje. Atualmente ninguém se preocupa muito com o que está incluído nos orçamentos: os parlamentares porque sabem que, na primeira dificuldade de arrebanhar votos, o governo os atenderá e executará suas "emendas", por mais absurdas que sejam. E os governantes porque sabem que não são obrigados a fazer aquilo que o Congresso determinou ao aprovar a Lei Orçamentária.
A população poderia dar sua mãozinha para aperfeiçoar o processo político. Como? Valorizando seu voto, lutando pelas reformas realmente profundas, cobrando seus candidatos por ações e omissões e dedicando à escolha de quem a representará a mesma atenção e seriedade que atribui às convocações para a seleção brasileira e ao milésimo gol do Romário.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor universitário.
Deixe sua opinião