Há quase 20 anos, Sérgio Paulo Rouanet escreveu o ensaio O Barroco ontem e hoje, profético e, como consequência, atual. Mas, antes de discorrer sobre o tema, é pertinente lembrar seu autor. Rouanet é carioca nascido no Rio de Janeiro em 1934, diplomata, filósofo, ensaísta e membro da Academia Brasileira de Letras. Como secretário de Cultura do governo Collor, foi o autor da Lei de Incentivos à Cultura, a “Lei Rouanet”, que, mal usada, acabou por gerar a “máfia da cultura” com pitadas de dendê que no momento está sob investigação da Polícia Federal.
Rouanet, em seu ensaio, compara o período contemporâneo ao Barroco. Mas, para compreender esse ponto de vista, é necessário primeiro entender o que foi o Renascimento, ou o período da história que precede o Barroco. A referência usada aqui será a arte.
O Renascimento, influenciado pela chamada arte clássica – filiada à cultura greco-romana –, é caracterizado, grosso modo, pelo apego incondicional à composição formal sob forte disciplina em diálogo com a realidade e, assim, pelos princípios da ordem e harmonia. Na Renascença, o olhar se volta não apenas para o legado clássico, mas também para a ciência. Atribui-se a origem da perspectiva científica ao empirismo ou à observação sistemática nas primeiras tentativas para reduzir as percepções qualitativas em impressões sensoriais em temos quantitativos, colocando as coisas à medida do Homem, de acordo com a visão antropomórfica. Para o Homem da Renascença, o pensamento (ciência) era como um sistema de círculos em torno de um centro imóvel de maneira concêntrica. O Renascimento, portanto, é um período de enaltecimento do conhecimento e, como consequência, da razão (!). O equilíbrio e a simetria são uma das tônicas das pinturas renascentistas, como na imagem da representação da crucificação de Cristo no afresco de autoria de Masaccio.
Em resposta à Reforma protestante de Lutero, a Igreja Católica, então, reagiu por meio da Contrarreforma. Seus objetivos eram impedir que o protestantismo se espalhasse, recuperando territórios perdidos e expandindo os esforços missionários em todo o mundo, incluindo as terras do Novo Mundo. Assim, as colônias passaram a fazer parte do “território” da Igreja Católica, que deu os suportes religioso e político à colonização – o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e a Espanha, foi por ela mediado.
Usando a arte como exegese e como importante elemento comunicacional, a Igreja Católica, assim, impôs novos conceitos aos artistas, proibindo, por exemplo, imagens ornadas de belezas impudicas de acordo com os ditames do Concílio de Trento – o primeiro caso de marketing da história. Surge o que para muitos é um período da arte à parte, mas que para outros é o protobarroco: O Maneirismo, ou algo feito “à maneira”.
Assim, das composições saem o equilíbrio e a percepção do observador pelo exercício do intelecto. Entram em cena elementos da linguagem maneirista, ou seja, a subversão da perspectiva, a fusão do etéreo com o terreno, e formas mais sinuosas e sensuais. Seduzir pela emoção passou a ser a tônica e, a partir dela, induzir o observador a se sentir participante da cena produzida. Aqui a sugestão é de outra representação da crucificação: a pintura de Barocci, em que Nossa Senhora comparece combalida como qualquer mãe ao perder um filho, e Cristo, como um homem morto e não apenas como o ícone ou símbolo que carregamos no imaginário. Surge, portanto, outro conceito comum nas obras barrocas: a dramaticidade.
Nas palavras de Rouanet, a arte barroca era “maciça, monumental, visava a provocar no espectador uma sensação de impacto, de esmagamento, de intoxicação”. A imagem, portanto, se sobrepõe ao discurso. É aqui que Rouanet encontra um dos pontos em comum com os tempos em que vivemos ao afirmar que no “Barroco de hoje” “somos bombardeados, literalmente, por imagens, desde que acordamos até o final do dia. Como no Barroco, as imagens substituem os conceitos, exercem um efeito ao mesmo tempo afrodisíaco e hipnótico, que excitam os sentidos e anestesiam o pensamento crítico”. Ele vai ainda mais longe ao asseverar que a tendência do que ele denomina de irracionalismo barroco é “apelar para os sentidos e para as emoções, deixando de lado a inteligência”.
De fato, nas redes sociais vozes são suprimidas, encerrando a possibilidade de diálogo, impedido também pelas agressões verbais mútuas; a desvairada New Left, usando um termo atual, “lacra” os dissidentes, apoiada pelas chamadas Big Techs,que agem como acólitas do metacapital; um governador dispara palavras levianas contra um jornalista, pedindo sua cabeça ao vivo; a imprensa militante cria o fato e não a opinião legítima a partir dele – a sanha para enfatizar diariamente o número de mortes pela pandemia é, com efeito, um apelo à comoção, que por certo vende mais que o fato exposto com serenidade e racionalidade. Apropriando-me de outras palavras do ensaio de Rouanet e adaptando-as: o sistema dá as cartas deixando aflorar o que está recalcado, na medida em que isso seja funcional para o sistema de forças dominantes que se disfarça com vestimentas barrocas: progressismo e globalismo. Falta a eles assumirem a nova faceta do fascismo, ou o “fascismo barroco”, com o patológico empanamento moral em detrimento da razão.
Francisco Lauande Jr., arquiteto e mestre em Teoria, História e Crítica da Arquitetura, é fundador do canal de documentários e cursos Documenta e da revista “Pináculo”.
Como a eleição de Trump afeta Lula, STF e parceria com a China
Polêmicas com Janja vão além do constrangimento e viram problema real para o governo
Cid Gomes vê “acúmulo de poder” no PT do Ceará e sinaliza racha com governador
Alexandre de Moraes cita a si mesmo 44 vezes em operação que mira Bolsonaro; assista ao Entrelinhas
Deixe sua opinião