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O bicentenário da Independência e a identidade nacional do Brasil

Detalhe da pintura “Independência ou morte”, de Pedro Américo (1888). (Foto: )

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No ano de comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, diversas obras e inúmeros textos procuram ressignificar a historiografia daquele acontecimento, trazendo à luz uma nova diversidade de personagens e atores sociais que estiveram eclipsados do debate historiográfico ao longo de várias décadas. Poucas, porém, são as obras que buscam repensar a formação brasileira enquanto uma síntese nacional.

Se, na comemoração dos primeiros cem anos do Brasil, os movimentos modernistas e nacionalistas influenciaram na criação de obras como Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda|), Casa Grande & Senzala (Gilberto Freyre) e Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Jr), para ficarmos apenas na tríade mais conhecida, no Bicentenário da Independência, uma nova síntese vigorosa ainda está para ser escrita. E razões para repensar o Brasil não faltam.

Entre os anos de 1988 e 2022, o Brasil produziu uma das experiências democráticas mais importantes da história do republicanismo na modernidade.

O Brasil foi a única colônia do mundo que abrigou por 12 anos a estrutura burocrática de uma monarquia Europeia, constituindo-se enquanto a capital provisória de um Império secular nos trópicos. Enquanto seus vizinhos se fragmentavam em guerras contra a metrópole espanhola, o Brasil alcançava sua soberania política sob a liderança do filho do rei de Portugal. Embora a nova historiografia evidencie que esse processo esteve longe de ser pacífico e consensual, a formação brasileira diferenciou-se do republicanismo vigente e inaugurou uma nova experiência política nas Américas: uma monarquia parlamentar.

A constituição desse novo território nacional levou tempo para se consolidar, pois nunca havia sido criado um sentimento nacional no decorrer dos 300 anos de colonização. Falar em uma nação brasileira só seria possível após a chegada de Dom Pedro II ao poder, quando o Império conseguiu relacionar os diversos interesses regionais em uma política nacional, pacificando à força várias províncias e criando mecanismos de conciliação política junto ao Parlamento. O ano de 1850 marcaria a entrada do país ao sistema capitalista moderno, quando foi extinto o tráfico de escravos e instituída a Lei de Terras. A partir daí, assim como em parte dos EUA, o Brasil se desenvolveria relacionando liberalismo e escravidão, que ainda permaneceria vigente até 1888.

A incorporação de um espírito republicano tardaria a chegar por aqui. Para além da proclamação de 1889, o sentimento nacional republicano foi sendo forjado através de inúmeras revoltas regionais, e por meio de diversos autoritarismos políticos, consolidados a partir do poder central, de Deodoro da Fonseca a João Figueiredo. No meio disso, nascia um Brasil republicano e democrático, que foi assimilando diversas pautas sociais, que ainda se fazem latentes em nossa formação.

A república brasileira foi institucionalizada ao final do século XIX, quando um novo modelo republicano ganhava força com o crescimento dos EUA. Porém, sua capacidade de transformação, limitou-se a algumas regiões do país nas três primeiras décadas. O impulso modernizante viria entre os anos 1930-1980, quando o Brasil revolucionou sua estrutura produtiva, urbanizando-se e industrializando-se em todo o território nacional. Após duas experiências ditatoriais com Vargas (1937-1945) e com os militares (1964-1985), o Brasil produziu duas Constituições democráticas vigorosas, tanto em 1946 quanto em 1988, dialogando com a modernidade presente em cada época.

Entre os anos de 1988 e 2022, o Brasil produziu uma das experiências democráticas mais importantes da história do republicanismo na modernidade. Ao eleger para presidente um outsider liberal, um sociólogo socialdemocrata, um metalúrgico trabalhista, uma mulher ex-guerrilheira e um deputado conservador, o Brasil revolucionou sua trajetória política sem perder suas identidades nacionais, desde a política de conciliação do Império às negociações com o atual Centrão.

Compreender essa experiência para além de conceitos ultrapassados, que insistem em rodear o debate contemporâneo, significa enxergar uma nação que adotou a diversidade cultural, religiosa, política e social como uma identidade nacional, apesar de toda a violência adjacente a esses processos e lutas por novas inclusões e espaços de poder.

Consolidada a independência política no século XIX e transformado o perfil socioeconômico da sociedade brasileira no século XX, caberá ao século vindouro consolidar uma nova dimensão de cidadania e desenvolvimento no Brasil, que ainda não se fez presente em nossa cultura política. Para isso, enxergar o país como um todo, criando novas sínteses interpretativas, que respeitem os novos revisionismos inclusivos, mas que consigam ultrapassar falsas polarizações e perigosas fragmentações, é um exercício fundamental para continuarmos a desenvolver essa grande ideia chamada Brasil.

Victor Missiato é doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré e membro do Grupo de Estudos Intelectuais e Política nas Américas (Unesp/Franca).

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