Podemos exercer influência construtiva nos confrontos cada vez mais numerosos da América do Sul. Onde, porém, teríamos de fato condições para fazer diferença é no aquecimento global

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A marca principal da estratégia de Obama não é o multilateralismo nem o multipolarismo, mas a multiplicação de grupos de parceiros para lidarem com os problemas complexos de uma agenda renovada.

Não se trata de multilateralização, a ênfase em organizações como a ONU, o Fundo Monetário e a Organização Mundial de Comércio, todas necessitando reformas que nem começaram. Tampouco é multipolarismo, o reconhecimento de polos, isto é, centros de poder dotados de hegemonia regional sobre os vizinhos. Do tipo das coalizões de geometria variável dos anos 1990 ou do G20 dos nossos dias.

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O que se quer é criar parcerias com países que aportem contribuição de recursos próprios para resolver desafios, não a suposta capacidade de coagir vizinhos menores. A ideia é reunir grupos de países capazes de agir juntos para tratar de questões espinhosas incapazes de solução em assembleias numerosas e heterogêneas.

Depois de terem vivido oito anos em mundo imaginário no qual a agenda foi islamizada, os americanos estão de volta a este velho e sofrido planeta. Aqui redescobrem agravados os problemas que desleixaram: os macrodesequilíbrios na raiz da crise financeira, o aquecimento global, a urgência de redução dos arsenais atômicos já proliferados, continentes inteiros riscados do mapa de Washington como a África e a América Latina.

Enfraquecidos pela crise e pela sangria da guerra permanente, sabem que precisam dos outros e buscam a ajuda de parceiros novos. A prioridade é para a China, "a parceria para plasmar o século 21", nas palavras de Obama, incontornável na economia, na mudança do clima, na estabilidade do Oriente, incluindo o perigo atômico norte-coreano.

Vem depois a Rússia na redução das armas estratégicas, na influência sobre o Irã, no Afeganistão, na garantia de abastecimento de petróleo e gás. A Índia é a terceira na ordem, devido à massa da população, à ajuda no conflito afegão-paquistanês, à luta contra o terrorismo, às armas nucleares. A escala prioritária transparece claramente no cronograma de visitas e encontros de Obama, do vice-presidente, da secretária de Estado, Hillary Clinton, concentrado nos parceiros novos, sem descurar dos antigos: Europa, Japão, Canadá.

Há até lugar para caso raro como o do Brasil, que só tem soft power, pois não é potência nuclear nem militar, está longe da zona de conflitos islamizados e dispõe apenas de meios econômicos modestos. Podemos exercer influência construtiva nos confrontos cada vez mais numerosos da América do Sul, nas negociações agrícolas, na saída da crise financeira. Onde, porém, teríamos de fato condições para fazer diferença é no aquecimento global, que começa a ocupar posto central na agenda.

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Pena que, em vez de assumir a liderança da busca de consenso contra a mudança climática utilizando o que faz de nós uma "potência ambiental" – a Amazônia, a biodiversidade, a água, a energia limpa e o etanol –, o governo insista em política anacrônica e defensiva. Deixa livre o campo a um acordo histórico para o qual se dirigem os EUA e a China. Quando americanos e chineses se entenderem, não nos restará remédio senão seguir a reboque. O Brasil terá desperdiçado chance que não mais há de se repetir de ter sido fator decisivo para a solução de um dos maiores desafios da humanidade. Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel, de São Paulo. Foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.