Vista do Palácio do Planalto. Imagem ilustrativa.| Foto: Rodolfo Bührer/Arquivo/Gazeta do Povo
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No Império Romano, todos que nasciam em seus domínios eram integrantes da pátria romana. Trajano (53-117 d.C.), um de seus imperadores, nasceu na Península Ibérica, no território que hoje chamamos de Espanha. Portanto, para que ele tivesse se tornado um líder romano, não foi necessário ter vindo ao mundo em Roma. Provavelmente, o seu sentimento de orgulho de pertencer a uma pátria era o que prevalecia, não importando o fato de ter nascido em terras distantes e conquistadas.

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Os romanos eram temidos. Diz a história que, ao invadir a Germânia (Alemanha), um general ordenou a construção de uma ponte em madeira que ficou pronta em 15 dias, possibilitando que milhares de soldados fizessem a travessia – uma lição da refinada e eficiente engenharia romana. Ao chegarem ao outro lado do rio, encontraram um povo amedrontado e sem poder de reação por puro temor. De onde vinha tanta força? Do sentimento de pertencimento a um povo e não do fato de terem simplesmente nascido em um determinado lugar.

As pirâmides egípcias foram construídas como parte da crença religiosa que pregava a vida após a morte – as pirâmides falam, com efeito, da vida e não da morte. Os que participavam da construção acreditavam que também teriam o direito à vida eterna. Mais um caso, portanto, do sentido de patriotismo que, desta feita, tem como significado a união do povo em nome de um objetivo comum suprassensível. As pirâmides são, portanto, outro exemplo da força de uma cultura que pensou esses monumentos como legado de uma civilização e que durasse para sempre.

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Não creio que devêssemos construir pirâmides, muito menos invadir algum país. Mas deveríamos usar essas e tantas outras referências históricas extraídas alhures para repensarmos o nosso senso de patriotismo. É inquestionável o orgulho que os brasileiros têm de sua nação ou do fato de terem nascido em um país multicultural, sem par no mundo. Orgulhamo-nos de nossa música e de nosso futebol por sermos o único país cinco vezes campeão mundial no esporte mais popular do planeta; alargamos ainda mais o sorriso ao falarmos de nossas belezas naturais; repetimos esse sorriso lembrando de nossas riquezas naturais ou dos quatro dias de carnaval, quando esbanjamos pelas ruas nossa alegria sob o olhar do mundo. Mas isso não é ser patriota.

Não falo aqui dos milhares de torcedores em “patriotismo festivo” cantando em uníssono o hino nacional, vendo os jogadores da seleção brasileira em renque antes da partida de futebol. Falo do sentimento de patriotismo como significado de reais sacrifícios pelo país e de união do povo nesse sentido.

A falta de patriotismo tem sido tão letal quanto o vírus da Covid quando ataca os mais vulneráveis. É evidente o jogo político para desestabilizar o governo utilizando como cortina de fumaça a pandemia e a morte de tantos compatriotas. O STF, com seus militantes da esquerda, assegurou o direito aos governadores de decidirem qual a política de combate à pandemia deve ser implementada, assim impedindo o governo federal de coordenar esse processo na condição de comando da Federação. Para bom entendedor: se tudo der certo, loas aos governadores; se der errado, tudo deverá ser jogado no colo do Poder Executivo – que Covid que nada, o que importa mesmo é o palanque de 2022 e vencer a luta pelo poder.

Mas a sordidez tem longos braços e mãos hábeis em movimentos ardilosos. As verbas destinadas aos governadores para financiar a ampliação do número de leitos foram utilizadas de maneira discricionária para arcar com o passivo nas contas dos estados. Em vários deles, hospitais de campanha foram desmontados prematuramente. Tiveram um ano para, em substituição a esse artifício, ampliar a estrutura de hospitais ou até mesmo construir novas unidades. Quantos deixariam de morrer pela simples falta de quem os pudesse atender? A compra de respiradores com superfaturamento é mais uma entre as tantas páginas vergonhosas de nossa corrupção crônica e virótica.

Mas, dentro desse cenário do surrealismo impatriota de dar inveja a Salvador Dalí, surge mais um personagem: o STF, com os “seus 11 membros e um segredo”. Por meio de um deles, a esperança de um horizonte limpo de uma verdadeira pátria é mais uma vez cortada como manteiga, ou melhor, rabiscada por uma caneta cheia de sanha para cumprir a lei do “toma lá da cá”. Em meio à pandemia, enquanto o povo está deprimido, sofre pelo luto da perda dos seus e é tolhido de liberdades primordiais trancado em casa, um dos ministros resolve seguir a máxima popular: “Uma mão lava a outra e as duas, a cara”. Assim, um corrupto contumaz fica livre, enquanto o juiz que o condenou corre o risco de ser preso. Traduzindo: o xerife é preso pelo bandido. Caro leitor, tente explicar isso a um dinamarquês, mas esteja preparado para a sonora gargalhada do mais ácido deboche, e para receber a irônica afirmação: “Vocês têm tudo, mas o patriotismo que é bom, nada...”.

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Mas tome cuidado, pois o gringo pode morrer, não de Covid, mas de infarto agudo, caso teime em prosseguir as lamentações ao contar que a imprensa militante trata o lockdown como medida que conta com a unanimidade de cientistas. Ou ao dizer que, aqui, quem determina como o paciente deve ser tratado é a Justiça.

Isso tudo me faz lembrar o célebre diálogo no qual Guimarães Rosa, ao se desculpar por interromper Fenando Sabino no meio da produção de um texto, aconselhou: “Faça uma pirâmide. Não faça um biscoito”. Como nação somos, talvez, uma “pirâmide egípcia”. Como pátria, não passamos do mais quebradiço biscoito.

Francisco Lauande Jr., arquiteto e mestre em Teoria, História e Crítica da Arquitetura, é fundador do canal de documentários e cursos Documenta e da revista “Pináculo”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]