Embora o saldo positivo de empregos formais do Brasil em 2019 tenha superado as expectativas, com um resultado de 644,07 mil vagas, ainda falta cerca de 1,2 milhão para repormos as cerca de três milhões perdidas na recessão, já contabilizando as 1,1 milhão criadas em 2017 e 2018. Há, ainda, a demanda das pessoas que ingressam no mercado. Além disso, é muito preocupante o fato de não termos superávit na geração de postos de trabalho com registro em carteira acima de dois salários mínimos desde 2006, ou seja, há 14 anos. Neste caso, podemos discutir o porquê do ocorrido, dado que nesse período o valor real do salário mínimo evoluiu acima de 70% em termos reais, enquanto a produtividade cresceu somente 18%. Outro fator a ser levado em conta reside no fato de a indústria, setor que contrata mais profissionais qualificados, com maiores vencimentos, ter perdido posição relativa no PIB.
Há que se considerar, também, que a retomada do nível de atividade ainda é lenta, apesar das expectativas positivas para o ano corrente. Para reduzirmos as desigualdades e ascendermos ao patamar de economia de renda alta, precisamos acelerar o crescimento, sem artificialismos, e gerar empregos em escala maior e mais produtivos. O baixo desempenho resulta dos graves problemas que enfrentamos nos últimos anos, principalmente o imenso déficit fiscal que quebrou o País, não apenas no plano federal, como em estados e municípios, que vem sendo enfrentado pelo atual governo.
Felizmente, vários passos já foram dados, como a reforma da previdência, avanços importantes na área trabalhista e o marco das telecomunicações, relevante para avançarmos na agenda da manufatura avançada. Abrimos 2020 com a expectativa de que haja continuidade na agenda de reformas, como a tributária, administrativa, dos fundos públicos e da emergência, sendo que esta última permitirá maiores ajustes no orçamento público. Há, também, medidas voltadas a destravar os investimentos, como a Lei Geral do Saneamento, novas concessões, privatizações e ações desburocratizantes. No entanto, coloca-se uma questão crucial para vencermos os desafios do crescimento: o fortalecimento da indústria e a recuperação de sua competitividade sistêmica.
Nos dados relativos aos empregos em 2019, ficou inconteste que o setor contribuiu pouco, com um saldo positivo de apenas 18,34 mil vagas, dentre as 644,07 mil do total nacional. Em contraste com isso, em 2010, período forte de expansão da manufatura, apesar de seu voo curto, somente o segmento têxtil e de confecção havia gerado 65 mil postos formais de trabalho. Iniciamos uma recuperação nas fiações, tecelagens e fábricas de roupas, mas em 2019 ainda registramos déficit de 10,28 mil vagas, muito menos, é verdade, do que em 2018, quando o saldo negativo foi de 27,32 mil.
As estatísticas relativas ao mercado de trabalho são um alerta sobre a necessidade de consistente retomada da indústria. O fortalecimento do setor depende das reformas estruturais, conforme fica evidente em estudo do Ministério da Economia, em parceria com o Movimento Brasil Competitivo e 13 associações empresariais, com apoio técnico da fundação Center for Public Impact, do Boston Consulting Group: produzir no Brasil apresenta ônus anual de R$ 1,5 trilhão a mais do que a média dos 36 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em decorrência de itens críticos como custo do capital, disponibilidade de infraestrutura, insegurança jurídica, questões trabalhistas e energia.
Além da solução desses gargalos, precisamos de uma política industrial eficaz, focada no aumento da produtividade e já sintonizada com as tendências do mundo, que ruma para a quarta revolução industrial, ancorada em tecnologias muito avançadas e ao advento da produção sustentável e de ambientes de negócios marcados pelo compliance, transparência e lisura. Todos os demais setores, como nossa dinâmica e estratégica agropecuária, serviços e comércio, têm papel muito relevante, mas não será possível promover o crescimento que almejamos e mitigar as desigualdades, em cujo ranking estamos numa das piores posições no mundo, sem a geração de empregos em elevada escala e com níveis mais elevados de salário, vocações mundiais da manufatura.
Como se observa nas principais e mais desenvolvidas economias, uma nação com as dimensões territoriais e demográficas do Brasil precisa de uma grande indústria. É premente voltarmos a ter políticas focadas para o setor, assim como tem anunciado países como Alemanha, França e Estados Unidos, com a participação do governo, iniciativa privada, institutos de pesquisa e universidades. Nesse sentido, o setor têxtil e de confecção está trabalhando bastante com o Sistema S e organismos públicos, como a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) e Apex. Com esta, mantemos um programa de internacionalização das empresas e dos negócios.
Aguardamos, ainda, o retorno do equivalente ao Programa Brasil Mais Produtivo (B+P), que se somaria às reformas em curso, junto com iniciativas da própria indústria, na agenda da manufatura avançada e na capacitação e qualificação das pessoas para o atendimento às novas tecnologias e modelos de negócios. Também teremos de cuidar do enorme contingente de desempregados que se ocuparão de funções mais tradicionais, porém ainda necessárias.
O Brasil precisa de muito foco na agenda do desenvolvimento industrial, inovação e tecnologia. Portanto, mãos à obra para resgatarmos nosso crescimento industrial, que tem enormes efeitos multiplicadores em todos os outros setores. Competitividade é a síntese de nosso desafio. Por isso, cabe lembrar frase emblemática de Paul Krugman, economista agraciado com o Prêmio Nobel: “Produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo”.
Fernando Valente Pimentel presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).