O Brasil necessita de várias e urgentes reformas, disso ninguém duvida. Qual deve vir antes? Até agora, acreditava que a mais urgente seria a política, para dar um choque de modernidade e de responsabilidade no nosso sistema de representação. Com um processo parlamentar e político mais autêntico, baseado na aproximação entre eleitores e eleitos e na valorização de programas partidários e não no personalismo, estaríamos aptos a levar à frente todas as outras. Enquanto 85% dos deputados e vereadores conquistarem suas cadeiras com os votos de outros candidatos menos votados, como ocorre no regime proporcional, e não com a declarada preferência dos eleitores, como aconteceria no regime do voto distrital, e os partidos forem meros pit-stops nas carreiras de Suas Excelências, não iremos muito longe.
Ou então, quem sabe, devêssemos começar pela reforma dos processos judiciários, para garantir celeridade e eficácia à Justiça; como está, o processo judiciário é um caminho tortuoso cheio de apelações, embargos, agravos e arguições de nulidade, que transformam a justiça em ficção. Quem sabe mesmo, deveríamos apelidar essa reforma de Reforma Pimenta Neves, pois o jornalista que matou a namorada, confessou o crime, foi condenado e passados quase dez anos não foi para a cadeia é o símbolo mais perfeito de que o crime compensa sim, dependendo de quem é o criminoso e do preparo técnico de seus advogados.
Talvez devêssemos pensar seriamente em fazer uma revisão profunda nos fundamentos da administração pública para evitar que o aparelho do Estado continue a ser loteado entre partidos e políticos e as estruturas administrativas a inchar, abarrotadas de funcionários em cargos de confiança, aspones e asmenes (o asmene , lembrem-se, é um aspone sem secretária), enquanto faltam professores nas salas de aula, médicos nos hospitais, policiais nas ruas. Ou ainda, rever profundamente os mecanismos do controle público, para que as obras da Copa e da Olimpíada não repitam a experiência do Pan 2007 no Rio de Janeiro, que custou 10 vezes mais do que estava previsto.
Depois de matutar longamente, acredito que nenhuma dessas reformas terá sucesso se não for precedida da decisão de eliminar (se é que isso é possível) ou, no mínimo, de reduzir drasticamente o formalismo que é o traço característico de nossa cultura. Se continuarmos a ser o país em que o atestado de óbito vale mais do que o cadáver, pouco há a fazer. Existe formalismo mais escancarado e irritante do que a atitude dos governantes e dos orgãos de controle público face ao MST e seus penduricalhos juridicamente organizados que só servem para sifonar centenas de milhões de reais dos cofres públicos para suas atividades, mediante a assinatura de "convênios". A pureza dos governantes e controladores é quase que angelical: "mas o MST não existe juridicamente... Como responsabilizá-lo?". E fica por isso mesmo.
Que aconteceu com a loura do traseiro tatuado que foi filmada destruindo um terminal de computadores durante a invasão do prédio do Congresso por um "movimento social" há vários anos? Talvez ainda tenha posado para uma revista masculina mostrando a tatuagem inteira. E com seus chefes? Onde estava, nessa hora, o Ministério Público? E o Tribunal de Contas da União? E a direção do Congresso?
Enquanto isso, a rotina se repete: milhares de crianças ficam dias, semanas e até meses sem merenda escolar porque ex-prefeitos cometeram irregularidades nas prestações de contas de recursos que receberam. O administrador público comete a irregularidade e são as crianças que pagam.
É o velho dilema proposto por Groucho Marx: "Que você prefere, acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?" Continuamos preferindo decidir as coisas com base na obediência cega a formalidades e ritos, a papéis bem carimbados e atestados bem escritos, e assim continuaremos a tropeçar nos cadáveres, sem entender de que se trata pois o defunto não têm espetado no peito o competente atestado de óbito.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR
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