A infraestrutura é um elemento essencial para garantir crescimento econômico sustentável, competitividade e progresso social. Embora a construção de novos recursos de infraestrutura ocupe um lugar importante na agenda global, governos de países desenvolvidos e em desenvolvimento muitas vezes negligenciam seus ativos de infraestrutura existentes, o que impacta em custos operacionais desnecessários, manutenção inadequada e gargalos logísticos, entre outros déficits básicos.
O Brasil apresenta historicamente um significativo gap em infraestrutura, fato que impacta o posicionamento competitivo do país e o coloca na constrangedora 116.ª posição (num ranking de 138 países) em qualidade de infraestrutura, atrás de nações como Bolívia, Guatemala e Etiópia, segundo relatório do World Economic Forum.
A solução passa por uma maior participação do setor privado em infraestrutura
A falta de investimentos em infraestrutura no Brasil tem muitas explicações plausíveis, que vão desde a escassez de poupança doméstica até a inexistência de financiamento em longo prazo, para desafios políticos e institucionais. E o problema não é apenas a falta de investimentos, mas uma escolha de projetos quase aleatória, muito influenciada por interesses políticos, sem estar baseada em um processo claro e eficiente que defina de maneira objetiva quais são os melhores investimentos para o país. Há, ainda, um outro fator que pode ajudar a explicar os números: a infraestrutura por si só não é percebida como um tópico de alta prioridade para os brasileiros. Em uma pesquisa realizada pela CNI em fevereiro de 2014, as estradas apareceram entre os três principais problemas mais prementes do Brasil para apenas 6% da população. O saneamento foi citado como uma questão prioritária por somente 3%, mesmo que 50% das famílias brasileiras não tenham coleta de esgoto e os rios, em sua maioria, estejam poluídos.
Esse cenário reflete o investimento insuficiente realizado no país. Nas últimas duas décadas, o Brasil investiu apenas 2,1% do PIB por ano nesse setor (1,7% em 2016), longe dos níveis de outros países em desenvolvimento, que têm investido de 4% a 5% do PIB do país, todos os anos, no setor. O reflexo dessa falta de preocupação com infraestrutura traz resultados muito negativos, impactando fortemente no desenvolvimento socioeconômico, contribuindo para o alto custo de transporte, aumentando o gasto das cadeias produtivas, limitando o desenvolvimento da indústria devido a gargalos logísticos e reduzindo a possibilidade de criação de novos empregos.
O setor de infraestrutura está se transformando. O crescimento urbano, a maior relevância da sustentabilidade na sociedade e as novas tecnologias estão mudando a maneira como estamos acostumados a viver, trabalhar e nos locomover. A revolução digital está alterando a forma como desenhamos, construímos e operamos os ativos de infraestrutura, e irá transformar completamente o panorama desse setor, apresentando novas possibilidades de geração de valor para o cidadão, para as empresas investidoras e para as operadoras.
As novas tecnologias digitais irão permitir mudanças significativas nas diferentes etapas da cadeia de valor dos ativos de infraestrutura. No desenho e na construção, por meio do Building Information Modelling (BIM), conseguiremos melhorar a produtividade da construção, reduzir a complexidade, otimizar custos e aperfeiçoar a qualidade e segurança dos ativos: a utilização de maquinaria autônoma ou de drones para realizar estudos topográficos são exemplos claros disso. Na operação e manutenção, será possível monitorar a atividade e antecipar os problemas em equipamentos por meio de informações compartilhadas em tempo real e análise avançada de dados: redes inteligentes, manutenção preditiva, medidores inteligentes, identificação de vazamentos de redes de saneamento por satélite etc. Nas interações entre usuário e ativo, a interação será realizada em tempo real, o que aumentará a satisfação da população, reduzindo gargalos e custos (por exemplo, carros autônomos ou semiautônomos, que permitirão que o tempo de deslocamento e os acidentes sejam reduzidos, de modo a “liberar” o tempo do usuário; ou aplicativos que facilitam a comunicação entre prefeitura e cidadão, oferecendo informações em tempo real de trânsito, eventos e segurança, ao mesmo tempo em que obtêm opiniões e comentários que permitam melhorar o nível de serviço). Na conectividade entre ativos (“internet das coisas”), a conexão dos ativos a redes, sensores e entre ativos permitirá um melhor conhecimento do seu comportamento, alavancando um efeito de escala nunca visto anteriormente. Ao mesmo tempo, dado o valor intrínseco desses dados, o acesso aos mesmos será mais desafiado, requerendo medidas cada vez mais sofisticadas de cibersegurança.
É preciso criar um entorno de investimento transparente, seguro, com visibilidade de longo prazo
Para aproveitar todo o potencial deste momento disruptivo, capturar as grandes oportunidades e gerar uma mudança de patamar no setor, o Brasil precisa mudar o seu modelo de investimento. O modelo utilizado nos últimos 12 anos – em que as companhias públicas, com baixas taxas de juros graças ao BNDES, eram os principais e quase únicos investidores no setor – está obsoleto. O papel do setor privado nesse cenário é crítico, uma alternativa necessária para acelerar os investimentos e fazer com que o Brasil não perca mais essa onda de crescimento. No entanto, é essencial que se desenhem soluções win, em que a sociedade seja claramente beneficiada e, ao mesmo tempo, o investidor consiga ter retornos razoáveis. Para que isso ocorra de maneira saudável, é necessário manter o fator de “serviço público” da infraestrutura, permitindo um cenário de investimento seguro e atrativo para os investidores nacionais e estrangeiros, e mudando a imagem do Brasil, tido como um país de alto risco político. Essa quebra de paradigmas geraria múltiplos benefícios tanto para a sociedade – com aumento de competitividade da indústria, criação de empregos, redução do custo para as empresas na cadeia, elevação da atividade econômica e das receitas fiscais e desenvolvimento socioeconômico das regiões – como para o investidor, que consegue obter retornos estáveis e relativamente seguros.
Olhando para a frente, parece claro que a solução passa por uma maior participação do setor privado em infraestrutura, mas garantindo, ao mesmo tempo, o papel social e motor do desenvolvimento que a infraestrutura deve ter no país. Para isso, é preciso gerar uma noção estratégica e de planejamento de longo prazo com uma visão integrada (intermodal) e uma seleção e priorização racional de investimentos, alinhados com uma necessidade real e um impacto elevado para o país; criar um entorno de investimento transparente, seguro, com visibilidade de longo prazo e garantias suficientes para o investidor; abraçar plenamente as novas tecnologias para ganhar mais eficiência, gerando ao mesmo tempo preços mais baratos e competitivos para os usuários e melhores retornos para os investidores; propiciar um financiamento de longo prazo acessível, com juros razoáveis, para evitar que o custo de oportunidade leve os potenciais investidores para outros países; e promover uma regulação mais simples, que permita monitorar os resultados e atue em caso de desvios, evitando que seja engessada, crie barreiras e limite o potencial de crescimento e investimento do país.
Materializando os pontos mencionados, não tenho dúvidas de que o Brasil conseguirá mudar o patamar da sua infraestrutura nos próximos anos. Não é tarefa fácil, e vai exigir a participação de todos: do governo – gerando estabilidade e mostrando vontade política, tomando decisões nem sempre populares –, dos donos e operadores de ativos – investindo em novas tecnologias e priorizando um pouco mais o médio e longo prazo em detrimento dos retornos imediatos – e da sociedade, exigindo ativamente que seus dirigentes e prefeituras, das pequenas cidades até o Congresso Federal, entreguem a qualidade de infraestrutura que o país merece. Vamos em frente!