Dias atrás, as redes sociais foram tomadas pelas notícias do evento que oficializou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. E o fato mais comentado na ocasião foi a escolha – até então quase certa – de Janaína Paschoal para a vice-presidência da chapa do PSL. Apontar Paschoal como provável vice-presidente da chapa deixou claro que Bolsonaro presta atenção ao que pensam seus futuros eleitores: o nome dela é um dos mais populares entre os cogitados para exercer a função de vice (outros nomes bem cotados têm impedimentos invencíveis).
Depois do discurso dúbio, provocativo e desconfiado da doutora Janaína durante a convenção, houve um verdadeiro rebuliço nos grupos favoráveis à candidatura de Bolsonaro. Muitos passaram a defender Luiz Philippe de Orleans e Bragança para o cargo. Mesmo liberais, como Hélio Beltrão e outros antes contrários a Bolsonaro, sinalizaram adesão à ideia.
O fato é que Luiz Philippe valoriza substancialmente o PSL e é um bom candidato à vaga de vice, a despeito dos ataques difamatórios que costumam surgir por causa de sua origem – a família imperial brasileira. As difamações certamente girariam em torno do “atraso da monarquia”. A ironia é que isso bem poderia fazer com que Luiz Philippe impulsionasse a venda de seu livro, Por que o Brasil é um País Atrasado?, em que sóbria e responsavelmente analisa, com a expertise de cientista político com mestrado em Stanford, os entraves que impedem o Brasil de crescer.
Outra coisa que efetivamente o distancia do rótulo de “retorno ao passado” é que ele não é herdeiro dinástico e nunca viveu de privilégios. Cresceu na vida por esforço e estudo, tornou-se executivo de multinacional e foi responsável pelas operações de quatro das dez maiores instituições financeiras do mundo com atividades voltadas para a América Latina. O que leva a mais uma vantagem em ter Luiz Philippe na posição de vice-presidente: isso acalmaria o mercado (que a Folha de S.Paulo tem noticiado estar apreensivo).
O Exército simbolicamente representado por Bolsonaro se redimiria perante o Trono, também simbolicamente representado por Luiz Philippe
Feitos esses esclarecimentos, concedamos apenas que Luiz Philippe não pode negar quem ele é: não herdaria o trono num virtual cenário de restauração monárquica, é verdade, mas é descendente de dom João VI, de dom Pedro I, da imperatriz Leopoldina, de dom Pedro II, da princesa Isabel. A verdade é que isso só o enobrece.
Bolsonaro tampouco pode negar quem é. Formado pela cartilha do Exército, instituição que procurou sempre corrigir os rumos da República, o capitão Jair Bolsonaro tem cabeça de militar nacionalista e coração de oficial imbuído da missão de salvar o seu país.
Ambos são herdeiros de instituições que transcendem suas histórias pessoais de vida. Vejamos como os legados que eles carregam se relacionam.
O povo amava seus imperadores, suas imperatrizes, seus príncipes e princesas. Eles deram ao Brasil unidade e independência; e, aos cativos, liberdade e dignidade. A história contada nas escolas quis fazer da palavra “monarquia” um sinônimo da palavra “escravidão”. Mas a história dos fatos, a única que importa, não o atesta. Dom Pedro II e a princesa Isabel eram queridos pelos libertos, o que se explica tanto pela Lei Áurea quanto pelo fato de que o imperador concedia a fazendeiros que libertassem seus escravos condecorações de ordens monárquicas pelos “relevantes serviços prestados ao Estado e à humanidade” – isso já muito antes de 1888. Foi também dom Pedro II quem pressionou o Congresso para que os deputados aprovassem as leis abolicionistas. Antônio da Silva Jardim, um dos únicos republicanos idealistas, fazia discursos pelo Brasil inteiro defendendo o ideal republicano. Seus eventos acabavam em pancadaria porque os “capoeras” (ex-escravos peritos em artes marciais) avançavam sobre os republicanos, querendo parti-los ao meio.
A República foi feita não pelo povo, mas por um pequeno grupo do Exército, unido a alguns interessados inexpressivos de movimentos republicanos e federalistas. Esses pequenos grupos eram parte da oposição que estava desempregada e sem pauta (foram os gabinetes conservadores, afinal, que promoveram a Abolição) e que foi buscar ideias estrangeiras que lhes abrissem de novo o caminho ao poder.
A República foi proclamada, então, por uma elite desprestigiada liderada por um punhado de militares da seita positivista, e seu principal homem, Deodoro da Fonseca, era monarquista e gritou “Viva o imperador!” no dia 15 de novembro, querendo derrubar apenas o gabinete de governo, não a monarquia. Eis o pecado mortal do qual ainda não nos redimimos: um grupelho aproveitou-se de um acidente para expulsar benfeitores da pátria. É como se tivéssemos expulsado os próprios pais de casa e, desde então, reclamamos que a vida não dá certo.
O primeiro elo é este: o mesmo Exército que formou o capitão Bolsonaro, mais de um século antes, expulsou injustificadamente do Brasil os ancestrais de Luiz Philippe. Como se devesse cuidar do Brasil, impedindo que os próprios brasileiros o destruíssem, o Exército assumiu um papel para o qual não foi criado nem chamado, e que era originalmente da Casa Imperial: o de salvar o Brasil de si mesmo.
O imperador agia pela via do Poder Moderador. O Exército tem agido por meio de intervenções militares. O Poder Moderador garantia a estabilidade. O Exército, ainda que corrigisse muito bem um descaminho ou outro, acabava por causar desestabilização. E foi assim nos primeiros governos, quando o marechal Deodoro da Fonseca fechou o Congresso, e depois, quando o marechal Floriano Peixoto rasgou a Constituição de 1891. Foi assim quando Hermes da Fonseca, a partir de 1910, quis resolver o problema das oligarquias (um problema real e sério) destituindo governadores de estados para nomear interventores e piorou tudo, gerando revoltas armadas por todo o Brasil.
Outra intervenção aconteceu quando o movimento tenentista se uniu às oligarquias de Minas Gerais, da Paraíba e do Rio Grande do Sul para derrubar o sistema oligárquico mediante a Revolução de 1930, que empossou Getúlio Vargas. Este piorou a situação do País, ficando no poder por 15 anos, variando entre presidente eleito indiretamente e ditador. Mais tarde, foi a pressão dos militares sobre Vargas que levou o presidente a cometer suicídio, desestabilizando novamente a nação e fazendo parte do povo se aproximar afetivamente do ex-ditador. No período de 1946 até a década de 1960, os militares foram exemplares em sua defesa da democracia, mas ainda flertavam demais com a ação política.
Leia também: Bolsonaro e os economistas (artigo de Gilmar Mendes Lourenço, publicado em 3 de julho de 2018)
Por fim, recordemos 1964, quando a agenda comunizante (outro problema real e muito sério) do presidente João Goulart encorajou nova intervenção. Esta foi pedida insistentemente por grande parte do povo, mas foi sucedida pelos governos do grupo da “linha dura”, os quais, ao mesmo tempo em que combatiam a guerrilha, não eram capazes de enfrentar o domínio cultural das esquerdas. Estas, renascidas na Nova República, exerceram influência sobre a Assembleia Constituinte de 1988, dividiram-se em muitos partidos políticos e ascenderam ao poder rapidamente, enraizando-se nele por muito tempo.
Vivemos hoje uma nova crise. Os problemas estão mais sérios do que nunca: 70 mil homicídios por ano, piores lugares em testes internacionais de educação, decadência em rankings de liberdade de mercado e de expressão, piores escândalos de corrupção da história, submissão política a grupos internacionais, política externa irresponsável que celebra tratados com ditaduras assassinas (com consequente má fama internacional), estagnação econômica pós-recessão, desarmamento da população e armamento crescente da bandidagem, concentração de poder alarmante nos poderes Executivo e Judiciário federais, excesso de tributos sem nem sequer haver respeito à transparência, complacência com criminosos condenados, indultos a matricidas em dia das mães etc. Eis um brevíssimo resumo.
Milhões protestaram nas ruas e ainda protestam nas redes sociais. Entre eles, muitos pedem por outra intervenção militar, esquecendo que estamos presos neste ciclo de intervenções periódicas desde o golpe de 1889. Mas é pela vitória de Bolsonaro que todos se unem.
Ao optar por convidar Luiz Philippe a ocupar o cargo de vice-presidente da sua chapa, Bolsonaro estaria começando a nos retirar do ciclo de caos e de intervenções juntando-se ao príncipe para, com ele, se unir ao povo contra o chamado centrão – aquela classe política poderosíssima que domina a Nova República há décadas, transformando-se em estamento burocrático. Seria uma aliança sob o signo da humildade: o capitão chamaria de volta ao poder o príncipe para, juntos, sem se separarem do povo pela via ditatorial, mas separando-se daqueles que fingem representar o povo enquanto destroem suas mentes e matam seus filhos, devolver ao Brasil o equilíbrio entre liberdade e autoridade, periferia e centro, autogoverno local e governo federal, indivíduo e Estado; e o príncipe aceitaria o improvável: integrar um governo da República golpista que retirou seus antepassados do lugar legítimo que ocupavam.
Assim, o Exército simbolicamente representado por Bolsonaro se redimiria perante o Trono, também simbolicamente representado por Luiz Philippe, salvando efetivamente o Brasil de seus próprios erros, e acenando para a estabilidade. A história futura marcará o governo do capitão e do príncipe como o ponto de virada do Brasil fraco, enfermo, difamado e sem autoestima para o Brasil forte, equilibrado, prestigiado e confiante.
Agora, só nos resta esperar que Bolsonaro tome a decisão certa.