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"À porta do céu", da doutoranda em História pela UFMG Mariza Guerra de Andrade, que acabo de ler em publicação da Biblioteca Nacional, é análise da qual se pode discordar em alguns pontos, mas trabalha com profundidade a grande experiência pedagógica (e religiosa) que foi o Colégio do Caraça, em Minas Gerais.

Paradigmático na formação de uma massa crítica mineira, equiparado ao Colégio Dom Pedro II (assim como o foi o nosso Colégio Estadual do Paraná), o Caraça começou na primeira metade do século 19, prolongando sua existência às primeiras décadas do século 20.

Fruto da visão dos padres vicentinos (ou lazaristas, ou da Congregação da Missão, fundação francesa inspirada em S. Vicente de Paulo), o Caraça educou notáveis como Juscelino Kubitschek e um sem-número de brasileiros que liderariam a vida do país em vários campos civis e também na Igreja. Foi vital na formação de uma sociedade recém-saída do estatuto colonial, nos âmbitos nacional e regional.

Desdobramento do Caraça foi o Colégio São Vicente de Paulo, de Irati, que os mesmos lazaristas mineiros e cariocas trouxeram para o Paraná, nos anos 30. Primeiro foi um seminário. Depois, a partir do final dos anos 40, colégio exclusivo para meninos da sociedade secular. Difícil se avaliar hoje toda a profundidade da experiência de Irati comandada pelos padres de batinas pretas, sotaque mineiro – mesmo sendo alguns deles de origem eslava, naturais do Paraná –, como o educador padre Nicolau Nejnek, filho de ucranianos, modelo de mestre e esportista em que a piazada se mirava e admirava.

Embora avaliador que tenta ter recuo crítico sobre aquela atmosfera de disciplina e formação clássica, do qual eu e meus três irmãos fomos alunos, do final dos anos 1940 até 1952 (e depois em 1956/57), dou graças pelo tempo lá passado.

A sabedoria da velha França fez uma simbiose feliz com a prudência e a disciplina mineiras. E o resultado foi o São Vicente, internato e externato, ter-se tornado centro referencial na educação de paranaenses, tantos os do Sul, como os de outras regiões que a ele acorriam. Que buscavam – e conseguiam – uma preparação para vida, com forte concentração em máximas que não me canso de repetir, e que tantas vezes ouvi de professores e padres como o diretor José Lima (hoje, idoso, vivendo em Petrópolis, RJ) e Rui Aguiar Pereira, um carioca com aplomb nobre, alma humilde e exímio domesticador de jovens renitentes aos conhecimentos da Língua Portuguesa.

Uma das máximas da casa estava implícita no artesanal processo educativo, que obrigava o uso dos livros e a consultá-los, para que fosse vocalizada com sucesso: "non multa sede multuum". Não precisa fazer muita coisa, mas o que fizer, faça-o bem feito. Como estudar latim, sem cujo conhecimento os alunos apenas "se fazem de inteligentes", dizia-se.

E no Colégio São Vicente de Paulo daqueles dias, hoje arrendado ao estado, mas ainda um farol em Irati e vizinhança, lembro-me do Carlos Alberto Anciutti Pessoa, do Edgard Andrade Gomes, Jeca Anciutti Pessoa, João Dallegrave, os Pawleski, os Durski, os Assad, o Pereira, o Tazinho, o Fenianos, Júlio Burko, Sérgio e Olavo Keller, os Martins... Enfim, mundo de memórias cimentadas por pedagogia preciosa em qualquer tempo, na essência, e sujeita a naturais ajustes para a era digital. Mas que certamente não admitiria ensino à base de folhas xerocadas de obras que devem ser consumidos in totum.

Os lazaristas preparavam líderes futuros. Boa parte dos seus alunos vinha de famílias que se beneficiavam das fortunas de primeira geração, num Paraná em que tudo estava por fazer. Mas os padres acolhiam também filhos de pequenos agricultores, alguns como bolsistas. Com discrição cristã.

José Maria Orreda, professor, um desses intelectuais que a cidade pequena esconde, um dia conselheiro estadual de Cultura, escreveu livro sobre o papel exercido pela Congregação da Missão na montagem do "faciens" de Irati – e de outras comunidades do Sul paranaense, particularmente. A visão de Orreda é ampla, nos apanhados históricos. Mas ele mesmo sabe que a experiência promovida pelos lazaristas se enriquece com testemunhos pessoais, de ex-alunos que lembrarão minúcias do processo civilizatório (não falta os que condenam o trabalho, tido como europeizador) do pequeno Caraça. Nele, as aulas de civilidade eram tão importantes quanto as dos cânones clássicos. Começavam com o aluno mostrando as mãos, que deviam estar impecáveis, com unhas aparadas, e iam ao detalhamento de símbolos pátrios, formas de sentar, de vestir-se, de portar-se em grupo. Caráter se formava também com longas preleções sobre o valor da palavra dada, dos compromissos do jovem com sua mente e seu corpo como templo do espírito.

Naquela terra que, parafraseando João Paulo II, "lembra uma radiosa manhã de Pentecostes", tal a multiplicidade étnica de sua gente, o compromisso era formar cidadãos e cristãos, líderes futuros. Tarefa cumprida por nomes que continuam a render frutos, como os padres José Vasconcellos (já falecido) e Marcello Motta Carneiro, este último ainda um saudável ancião lazarista, 77 anos, obstinado educador vivendo em Curitiba.

Os mestres do Caraça paranaense, não por acaso, eram parte de um amplo círculo de educadores que, com a pedagogia lazarista, promovera a revolucionária mudança no ensino dos seminários diocesanos de todo o Brasil. Sintomaticamente, foram tempos em que os diocesanos revelaram os padres mais solidamente preparados cultural e espiritualmente para o munus sacerdotal, nos séculos 19 e 20. "Non multa, sed multuum".

Aroldo Murá G.Haygert é jornalista e presidente do Instituto Ciência e Fé. (aroldo@cienciaefe.org.br)

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