| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Anteriormente, em outros estados brasileiros – nomeadamente pode-se evidenciar os casos de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará –, as ocupações das escolas ganharam destaque nacional. Talvez não da grande mídia, mas as ações dos estudantes, de fato, foram multiplicadoras, repetidas por mais e mais instituições, e tornando a garotada centro de uma ação política e educativa digna de nota para outras situações. O fenômeno, que já passou em outros tempos pelas escolas paranaenses, volta, nos dias atuais, com muita força: na contagem atualizada, já são mais de duas centenas de escolas do Paraná ocupadas.

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Essas manifestações de ocupações de escolas que estamos presenciando no Paraná não são inéditas. Em minha tese de doutorado em Educação evidenciei tal fato. Podem ser listadas as escolas construídas pelo movimento operário na década de 1910 e 20 ou a luta dos desprovidos de escola pública, das mães por creches nas décadas de 1940 e 50, as escolas que as próprias comunidades constroem e, ainda, a prática das escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que, ao ocupar a terra, logo constroem uma escola. No caso paranaense, tal prática foi reconhecida pelo estado e aprovada pelo Conselho Estadual de Educação sob o Parecer 1012/03, em 8 de dezembro de 2003, com o reconhecimento da chamada “Escola Itinerante”, que acompanha a população para manutenção do atendimento escolar.

Tanto as experiências históricas da realidade brasileira elencadas como o movimento que vemos hoje pelo estado do Paraná e em outros lugares do Brasil manifestam-se com um ponto de intersecção: o direito à educação e à escola. No caso histórico das experiências, fica claro que a negação desse direito movimenta a população na luta pela escola. O que pode ser visto também com o fenômeno contemporâneo das ocupações das escolas: os estudantes de São Paulo lutaram para que sua escola não feche, ou por melhores condições nas escolas do Rio de Janeiro, ou contra a gestão privada das escolas em Goiás, o passe livre e aumento da merenda no Ceará, ou, no caso paranaense, sobre a reforma do ensino médio, que subtrai a obrigatoriedade de elementos curriculares fundamentais.

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Em tempos que se debate a “escola sem partido”, os estudantes estão retomando a premissa freireana de que a “educação é um ato político”

Além do exercício de fato do direito à educação – que, certamente, vai deixar um sentimento de pertença maior para os estudantes que estão ocupando as escolas –, está aqui atrelada uma formação política considerável. Em tempos que se debate a “escola sem partido”, os estudantes estão retomando a premissa freireana de que a “educação é um ato político”. E, por mais que haja críticos, ou mesmo gestores, que tentem atrelar as ocupações a uma “manipulação partidária”, são fenômenos locais, autogestionados, coletivos e identitários e, dessa forma, evidenciam que a prática educativa também é política.

Outro fator pedagógico é o caráter integrador, colaborativo e contagiante das iniciativas. As ocupações se somam, multiplicam-se! São um processo rápido, no qual os estudantes são solidários uns com os outros, constroem processos educativos mutuamente, encorajam e auxiliam outros estudantes de outras escolas, ou seja, constroem redes de processos educativos, conceito muito usado no vocabulário educativo, distante das práticas escolares e em pleno uso nas ocupações das escolas.

Essas práticas culminam no exercício de outra categoria, essencial, mas pouco praticada nas escolas convencionais: a auto-organização dos estudantes. No cotidiano escolar, os estudantes são tomados como meros receptáculos de conteúdos, são objetos da escola e de seu conjunto. As ocupações materializam o que a produção científica já evidencia: quando os estudantes são sujeitos do processo educativo, esse processo ocorre com maior êxito. Nas ocupações, são os estudantes que dirigem os processos formativos, buscam atividades, parceiros, debatem, se organizam e, dessa forma, aprendem.

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As ocupações das escolas estão cheias de ações pedagógicas significativas que levam de fato ao aprendizado. Evidenciam que o ensino é mais que conteúdo, que é arte, é política, é direito e, mais importante, faz-se com os sujeitos que a compõem e não é feito “para” eles. Os estudantes organizados buscam parcerias com a sociedade civil e evidenciam que há possibilidade de formação continuada com instituições até então distantes da vida escolar – mesmo as universidades, que teriam essa função. Artistas, estudiosos ou simples cidadãos passam a se integrar com as escolas públicas, o que é extremamente saudável para a vida escolar. E mais do que tudo isso: com suas práticas, os estudantes mostraram que a escola pode ser diferente dos modelos que estão estabelecidos. E a participação popular, estudantil e social é uma ferramenta indispensável para fazer uma escola melhor.

Em tempos temerosos, nos quais reinam a desesperança, a apatia e o fatalismo, a juventude mostra, com seu vigor próprio da idade, que não se pode deixar de lutar pelo que se acredita e, ainda, vai indicando que é possível transformar práticas escolares. E não só isso: as ocupações que vemos nas escolas paranaenses, nestes dias, mostram também que é possível reinventar a política, a resistência, com novos formatos, inéditas práticas que resistem e criam e, quem sabe, revelem alternativas para o pleno desenvolvimento dessa juventude em todos seus aspectos, além dos intelectuais, também políticos, éticos, sociais, físicos, artísticos, em uma palavra: humanos.

Fernando José Martins, pedagogo, mestre e doutor em Educação (com a tese “Ocupação da Escola: uma categoria em construção” defendida em 2009 na UFRGS), é professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), câmpus de Foz do Iguaçu.