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Opinião do dia 2

O caráter público da política

Proposições normativas devem se apoiar em conhecimentos objetivos. Ou melhor: quando dizemos como as coisas devem ser, devemos antes saber como as coisas são, e porque não gostaríamos que elas fossem assim. Esse preceito, que vale em muitas áreas, para ser econômico, deveria valer mais ainda quando se discute alternativas políticas.

No "debate" recente sobre a reforma do sistema eleitoral ouviu-se muito sobre as vantagens, supostas, do voto distrital sobre o voto proporcional (para ficarmos só nesse exemplo) sem que se demonstrasse de fato quais as implicações reais na mudança de um regime de votação para outro. A representação da bancada do Paraná na Câmara Federal conta com 30 deputados, eleitos por diferentes regiões e graças a um número específico de votos, conforme o partido político a que pertencem. Caso mudasse o sistema, como ficaria? Melhor? Pior? Melhor ou pior para quem? Para os próprios políticos (pois diminuiria a competição) ou para os eleitores (pois aumentaria a fiscalização)?

O caso do "debate" sobre o financiamento público das campanhas dos políticos é ainda mais curioso. Além de não sabermos quanto custa uma campanha, já que as declarações de contas nos tribunais eleitorais são, digamos, imprecisas, em função dos recursos "não-contabilizados", não sabemos também exatamente quanto, uma vez introduzido o novo esquema, elas custariam. Não sabemos inclusive se seria conveniente que elas fossem custeadas pelo Tesouro. O "argumento" segundo o qual na Alemanha é assim, e lá dá certo, parece, digamos também, incerto.

A polêmica sobre o voto aberto ou voto secreto nas casas legislativas é um bom exemplo daquilo que já sabemos e daquilo que não sabemos ainda. Há argumentos sensatos para sustentar que, em determinadas votações, o parlamentar possa votar anonimamente. Vejamos quatro dessas razões.

O voto secreto garantiria ao deputado, ou ao vereador, liberdade para escolher entre a decisão A ou a decisão B, já que ele estaria livre de pressões indevidas – do presidente, do governador, do prefeito, do presidente da mesa, do líder do partido ou de algum manda-chuva, que há muitos. O representante poderia assim votar conforme sua consciência. Esses motivos alegados são, para quem defende a idéia, não apenas lógicos, mas derivados de um princípio jurídico incontestável: o direito que todos nós eleitores temos ao voto secreto.

Por outro lado, pode-se opor a essas, razões tão boas quanto, e em sentido contrário.

O voto secreto do representante político não é um direito. É uma convenção estabelecida pelo regimento interno da Casa (Câmaras, Assembléias), já que se trata apenas de um mecanismo deliberativo. Garanti-lo ou aboli-lo é uma questão de escolha entre dois modelos políticos, não entre um direito e uma ofensa a ele.

Isso é assim (ou deveria ser assim) porque a liberdade fundamental não é a do representante, mas a do representado. O representante, que é em nosso sistema político bastante livre, pois só presta contas em momentos eleitorais, quando presta, é (ou deveria ser) um procurador, não um intermediário. Sendo assim, os eleitores precisam saber que escolhas foram feitas, pois só essa informação permite, de fato, pressão sobre o "seu" deputado. Em vista disso, a pressão (ou chantagem) de políticos mais poderosos é menos importante do que deveria ser o constrangimento de votar contra a opinião dominante – mesmo porque pressões e contrapressões dos políticos fazem parte da regra do jogo que eles mesmos estipularam.

Caso fique garantido o "direito" de votar contra a orientação do partido, seria o caso de perguntar: para que, então, servem os partidos? Partidos funcionam, na arena eleitoral e na arena parlamentar, para sinalizar opções políticas diferentes. Se essas posições fossem intercambiáveis e o político de centro-esquerda pudesse votar, graças à sua "liberdade", como o político de centro-direita, e vice-versa, o jogo político se tornaria imprevisível, o que aumentaria o custo das negociações. Em poucas palavras: mais tempo (para construir acordos) e mais dinheiro (para chancelar esses acordos).

O direito fundamental de votar conforme crenças subjetivas só seria válido se a política efetiva pudesse ser convertida numa negociação entre a consciência do representante e grandes questões abstratas, ou dilemas morais. Ora, o representante, procurador ou delegado não se defronta com questões de princípio, mas com questões concretas. Nesse sentido, toda moralidade é política, ou melhor: todos os casos que envolvam aspectos morais e que digam respeito à conduta dos políticos são questões políticas. E toda política é (deveria ser) pública, por definição.

Conhecendo ou estimando os efeitos possíveis do voto secreto e do voto aberto, fica difícil discordar da divisa proposta pelo juiz da Suprema Corte dos EUA, Hugo Black (1886-1971): "a luz do sol é o melhor detergente". Sempre.

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira.adriano@ufpr.br

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