Aeronave da companhia Ita, que recentemente encerrou atividades.| Foto: Divulgação
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Os finais sempre dão um jeito de avisar. Seja qual jeito for, a morte, invariavelmente, se anuncia. Ainda mais a morte das pessoas jurídicas. Não existe mistério algum. É sempre uma morte anunciada. Uma empresa “quebra” ou vai à falência porque algo não vai bem, e o “não vai bem” é perceptível para o mercado. A morte para elas, ao menos para elas, não acontece do dia para a noite. Pessoas jurídicas não morrem na sexta-feira sem terem sinalizado muito tempo antes que não resistiriam ao mês seguinte.

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Então, engana-se quem imagina que na sexta-feira, 17 de dezembro de 2021, a Ita, companhia aérea que detém (ou detinha) 1% do mercado, amanheceu morta. No caso específico dessa empresa, ela já nasceu morta e seus atestados de vitalidade foram assinados por uma Anac que deveria proteger o mesmo mercado – diga-se consumidores e fornecedores – de situações como essas. Cabe à agência fiscalizar o funcionamento do segmento, suas empresas e condutas e garantir sua operação plena, além, por óbvio, de regular as políticas de preço e atendimento das operadoras.

Mas o que ela fez neste caso? Avaliou uma estreante originária de um grupo em recuperação judicial – a Ita é filha do Grupo Itapemirim, em processo judicial de recuperação desde 2016, procedimento cheio de situações inusitadas como o afastamento do juiz que conduzia o processo – e permitiu que ela começasse a operar no mercado aéreo nacional mesmo, eventualmente, sabendo que as investidas da empresa não iriam adiante. O grupo econômico ao qual pertence a aérea já não estava cumprindo as obrigações assumidas havia muitos meses, mesmo antes do início das operações da Ita, sinalizando um calote generalizado de milhões e milhões de reais.

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Pessoas jurídicas não morrem na sexta-feira sem terem sinalizado muito tempo antes que não resistiriam ao mês seguinte

Para o bom observador, um pingo é letra. Embora no Brasil não tenhamos uma legislação que ampare a exigência de fundo de reserva ou capital mínimo para esse tipo de operação, no caso da Ita a investida no mercado deveria ter sido barrada ou, no mínimo, permitidas as operações em caráter experimental – mas, infelizmente, não existe previsão legislativa para que aconteça. Seis meses, o tempo de vida da companhia, é um tempo muito curto para nascer e morrer. A empresa não tinha fôlego para sustentar seus projetos e a Anac sabia disso – ou deveria saber.

Invariavelmente, essa situação vai acabar no colo dos consumidores que vão passar anos no Judiciário tentando receber as passagens que compraram de uma natimorta, mas esse é um mal menor.

Ninguém liga para o consumidor nesse país mesmo.Veja-se o papel da Anac quando permitiu que as aéreas cobrassem pelo despacho de bagagem: a proposta, defendida pela agência com unhas e dentes, visava o barateamento do preço das passagens, mas o que vimos foi uma alta violenta, cujo impacto foi além do econômico e galgou a moralidade. Abriu-se a oportunidade, com isso, de que as aéreas precificassem o assento e o lugar na fila de embarque; não se engane, ainda pagaremos pelo catering, agora proibido em razão da crise sanitária. Mas observe comigo: no custo da passagem estão incluídos os lanchinhos e, mesmo com a proibição, o custo dos mesmos não foi subtraído do valor da passagem. Ninguém falou nada sobre isso, nem sequer um movimento em favor do consumidor foi feito.

Voltando à Ita, ela não estará isenta de responsabilidades civis, administrativas e penais decorrentes da suspensão abrupta das suas atividades, mas torçamos para que imputem aos seus administradores crimes associados às relações de consumo. É preciso ser pedagógico. E, quanto à Anac, é preciso ser mais que pedagógico. É preciso ser técnico. Ser técnico e sério.

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Renata Abalém é advogada, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás e diretora da Câmara de Comércio Brasil Líbano.