A atriz Larissa Manoela.| Foto: Reprodução/Instagram Larissa Manoela.
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Tem sido notada, nos últimos dias, intensíssima repercussão midiática acerca do caso “Larissa Manoela”, em torno do qual circulam cogitações de que os pais da artista, hoje adulta (22 anos de idade), teriam, quando esta última era menor de idade, estruturado um cenário societário de dominação patrimonial abusiva em detrimento da filha, a qual não teria acesso aos seus bens ou à administração dos mesmos e, diz-se, até mesmo experimentaria carências materiais, como inexistência de plano de saúde, necessidade de autorização parental até mesmo para pequenos pagamentos de compras quotidianas como alimentos.

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Da forma como as circunstâncias relacionadas ao caso têm sido divulgadas, já se nota a existência de precipitadas opiniões equiparando a situação da atriz a outras situações pretéritas, e bastante conhecidas, de administração abusiva de carreira e de bens de menores por parte de seus genitores, cujo exemplo mais célebre é o de Michael Jackson, nos idos dos anos 1960/1970, em que consta que seu pai (Joe Jackson) exercia com grave violência física, emocional e material a gestão da carreira do grupo musical juvenil que reunia seus filhos (The Jackson Five), provocando traumas indeléveis a todos.

O caso Larissa Manoela não pode gerar os juízos críticos antecipados e unilaterais que temos percebido.

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Recomenda a boa cautela, que o cenário envolvendo o caso Larissa Manoela seja visto com o devido distanciamento no que é tangente às paixões e ao clima de Circo Romano que costuma tomar de assalto a internet, as redes sociais e seus famigerados tribunais eletrônicos, em que se julga, se condena e se executa a pena em questão de segundos, sem a oitiva da parte contrária e com os juízes da internet sequiosos basicamente por likes, curtidas, atenção e afins.

O olhar técnico-jurídico, pois, recomenda comedimento quanto à análise dos fatos, de modo que não se promovam julgamentos antecipados e injustos. Isto dito, o assunto comporta apreciação sob dois pontos de vista: (i) o da legislação aplicável à administração de bens de filhos menores por seus genitores e (ii) o do direito societário/empresarial.

Quanto ao primeiro aspecto (relação jurídica entre pais e filhos), de conformidade com o que dispõe nossa legislação civil, mais precisamente o art. 1.689 do Código Civil, determina-se que, enquanto os filhos forem menores de idade, os pais terão poder familiar e serão usufrutuários dos bens dos filhos e, ainda, têm a administração de tais bens.

Em suma, o artigo 1.689 do CC é expresso ao conferir aos genitores não só o usufruto do patrimônio de filhos menores, mas também a gestão de tal patrimônio, sempre observando-se o bem estar do menor. Destacamos aqui um ponto que nos parece relevante: ao estipular que os pais são usufrutuários dos bens dos filhos menores, tem-se que é permitido aos genitores usufruir, utilizar e rentabilizar os bens de seus filhos incapazes, sempre, é claro, observando-se o melhor interesse destes.

Torna-se claro, portanto, que, se a lei civil impõe aos genitores a administração dos bens dos filhos e também seu usufruto, é evidente que, se tais bens e a atividade profissional dos menores estiverem compreendidos em pessoas jurídicas, a administração destas deverá ser exercida pelos pais, do que se conclui que devemos avaliar com bastante cuidado as alegações de que o simples fato de que Larissa Manoela tinha, ou tem, participações pequenas em empresas nas quais seja sócia de seus pais já seria indicativo de abuso ou aproveitamento patrimonial indevido dos genitores em detrimento da filha: enquanto menor e não emancipada a artista Larissa Manoela, era imposição legal que seus pais administrassem seus bens e, caso não fizessem, estariam potencialmente infringindo a legislação aplicável ao caso.

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O que é necessário observar com mais detalhamento (e a respeito não há maiores informações disponíveis, por ora) é o seguinte: há duas faixas de menoridade a serem consideradas, uma até os 16 anos, em que o menor é considerado absolutamente incapaz, e outra entre os 16 e 18 anos, em que o menor é relativamente incapaz.

Sendo relativamente incapaz (isto é, possuindo entre 16 e 18 anos), o menor que exerça atividade profissional e adquira bens com tais recursos já passa a ter alguma relevância na administração destes, pois não existirá mais a administração e o usufruto exclusivo dos pais, devendo as decisões serem tomadas em conjunto por todos, ouvindo-se o menor (art. 1.693, II, do CC).

A questão que merece ser realçada, assim, é a seguinte: haveria, de fato, eventual problema no comportamento dos genitores de Larissa Manoela se, ao tempo em que esta era relativamente incapaz (16 a 18 anos), a administração de seus bens e valores fruto de seu trabalho ocorreu sem sua participação, ou ao menos sem a concessão de oportunidade para tal participação, e este ponto ainda está nebuloso, à vista das notícias que se têm sido difundidas a respeito.

Ocorre, porém, que, quando completou 18 anos, iniciou-se o prazo para que Larissa contestasse judicialmente eventuais ilegalidades praticadas pelos pais (o que não ocorreu até o momento), de modo que a conduta consistente em simplesmente renunciar à sua participação societária e aos respectivos bens da sociedade indica o desinteresse na persecução de tal medida.

E mais: sob o segundo ponto de vista aplicável ao caso (o do direito societário), a partir da maioridade (18 anos), Larissa Manoela passou a relacionar-se empresarialmente com seus pais na condição de sócia apenas, e não mais na condição de filha-menor e sócia e, assim, caso estivesse em desacordo com seus genitores quanto à forma de organização e gestão de bens, seria cabível propor aos seus sócios (seus pais) rearranjos de participações societárias de modo que fossem equalizadas as questões patrimoniais entre pessoas maiores e capazes, sem os impactos legislativos que ocorrem quando um menor de idade é sócio (algo que há 4 anos Larissa Manoela não é mais na relação societária com seus pais). Como sócia e maior de idade, a Larissa Manoela caberia renegociação com seus pais no presente, já que não judicializou os supostos problemas que indicou existirem quando era menor e sócia de seus pais.

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Para uma adequada análise técnica do assunto, é fundamental destacar que, em casos midiáticos, deve-se afastar a pessoa do problema, garantindo um entendimento objetivo e imparcial da questão jurídica que se pretende solucionar. Nos dias atuais, quando um caso jurídico ganha destaque nacional, surgem narrativas sensacionalistas e polarizadas que dificultam a compreensão dos fatos, obscurecendo a avaliação racional; portanto, o exercício do juízo crítico por parte dos leitores é fundamental para o entendimento preciso e equilibrado dos fatos. O caso Larissa Manoela não pode gerar os juízos críticos antecipados e unilaterais que temos percebido, sob pena de se incorrer em julgamento injusto e lesivo à imagem alheia.

Rogerio Licastro Torres de Mello é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP, advogado, professor da Fundação Armando Álvares Penteado; Stéfano Ribeiro Ferri é sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia e assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]