A Câmara dos Deputados prepara-se para discutir mais um projeto que, com pompa de solução, não passa de mais um teatro legislativo. A proposta de proibir o uso de celular nas escolas chega como uma panaceia educacional, mas, na verdade, é um álibi conveniente para encobrir décadas de fracassos acumulados no sistema educacional brasileiro. Trata-se na verdade de uma cortina de fumaça tão densa quanto a ignorância dos que a propõem.Afinal, culpar o celular pela tragédia pedagógica que vivemos é como acusar o termômetro pela febre.
Estamos falando de um país que, sistematicamente, ocupa o fim das filas nos rankings educacionais globais. A tragédia é tão profunda que culpar o celular pelo caos das salas de aula soa como acusar o espelho por refletir a realidade. Antes de discutirmos se o celular atrapalha a aula, convém perguntar: o que exatamente se ensina na sala? Qual o impacto real de um sistema que há anos deixa de educar para doutrinar e que, no lugar da alfabetização sólida, promove métodos socioconstrutivistas que mais constroem a ignorância do que o conhecimento?
Celular em sala é problema? Sim, mas não maior do que a incapacidade de um sistema que – por exemplo - não alfabetiza adequadamente nem mesmo no ensino médio
O problema não está no celular, mas em um sistema educacional que, em sua essência, perpetua a incapacidade cognitiva dos jovens brasileiros. Ora, diante de professores muitas vezes despreparados, diretrizes curriculares completamente desconectadas da realidade e uma pedagogia que converte a escola em um verdadeiro laboratório de experimentos ideológicos, é razoável apontar o celular como o maior vilão? Nesse contexto, o colapso educacional brasileiro não precisa de smartphones: ele já transborda todos os dias na precariedade absoluta daquilo que chamamos de "aula".
Se nosso sistema educacional fosse minimamente eficiente, talvez proibir celulares em sala de aula fosse um debate relevante. Mas, no Brasil, comparar os malefícios do celular com a própria “aula” é como perguntar se o aluno prefere o veneno ou a guilhotina. Celular em sala é problema? Sim, mas não maior do que a incapacidade de um sistema que – por exemplo - não alfabetiza adequadamente nem mesmo no ensino médio.
E ainda que houvesse mérito na proposta, sua aplicação seria risível. Qual seria o impacto real da proibição de celulares na sala de aula se, fora dela, crianças e adolescentes são entregues a um vício descontrolado, alimentado pela negligência dos próprios pais? Este projeto não resolve nada; ele é, no máximo, um placebo legislativo. Proibir o celular na escola é apenas empurrar para a conta do professor um problema que nasce, antes de tudo, no seio da família.
Mas há um lado ainda mais sombrio nessa proposta legislativa. Como um cavalo de Troia, a proibição do celular em sala de aula ameaça inviabilizar uma ferramenta crucial para o exercício de direitos protetivos das crianças e adolescentes. Quem esquece que o celular tem sido, em inúmeras situações, o único meio de denúncia e prova contra abusos escolares? Em quantos casos de bullying, assédio moral, violência psicológica e até mesmo abusos sexuais o celular foi o único meio probatório? Quantas vezes o registro feito por um aluno foi a única prova capaz de desmascarar agressores que se sentiam seguros pela opacidade das quatro paredes escolares?
Ao retirar das mãos dos estudantes essa ferramenta, o Estado não está apenas negligenciando seu papel de proteção integral, mas criando um ambiente perfeito para que abusos floresçam impunemente. Provas obtidas via celulares — hoje aceitas como gravações ambientais lícitas — podem passar a ser alvo de questionamentos judiciais. Afinal, o que impediria a defesa do violador de argumentar que a prova foi "contaminada" por uma legislação que proíbe a captação de imagens ou áudios dentro das salas de aula? O que parece ser uma simples medida disciplinar pode, na prática, abrir uma ‘caixa de pandora’ jurídica que acabará por blindar os verdadeiros violadores de direitos.
A teoria jurídica da "árvore dos frutos envenenados" dispõe que, se uma prova é obtida de forma ilícita, todos os elementos derivados dela também devem ser descartados. Hoje, a gravação ambiental feita por um interlocutor é plenamente aceita pelo Supremo Tribunal Federal, como exemplificado no Recurso Extraordinário de 583.937-RJ. Mas na eventual aprovação dessa lei uma nova discussão jurídica emergirá: uma lei que proíba celulares nas escolas não poderia contaminar qualquer prova captada nesses ambientes? Seria esse o início de uma era de impunidade institucionalizada no ambiente escolar?
Em um país onde a insegurança jurídica, alimentada por uma bandidolatria decorrente de um garantismo monocularhiperbólico, se alastra com a mesma força que o emburrecimento educacional promovido pela pedagogia socioconstrutivista, é de se questionar a prudência de um legislativo enfraquecido diante do autoritarismo imposto pelo ativismo judicial. Criar mais um problema jurídico, entregando a eventuais julgadores iníquos o poder de transformar soluções em novos prejuízos, equivale a lançar lenha na fogueira de uma crise que já corrói as bases do Estado de Direito e da educação nacional.
Assim, o projeto que promete disciplinar alunos e melhorar o ambiente escolar pode, na prática, criar uma muralha de proteção para abusadores, bullies e assediadores. Sendo uma nova forma de revitimização das crianças e adolescentes, que, mesmo na posição de vítimas, seriam impedidos de buscar justiça.
O projeto de lei em questão segue a seguinte lógica: apresenta-se como solução para os problemas da sala de aula, mas, na realidade, desvia o foco do verdadeiro colapso estrutural do sistema educacional brasileiro. O que o Brasil precisa não é de proibições arbitrárias, mas de coragem para enfrentar os problemas reais. Investir em formação de professores, rever métodos pedagógicos ineficazes, fortalecer a participação dos pais no processo educacional e garantir a proteção integral das crianças e adolescentes — isso, sim, faria diferença. Mas enquanto continuarmos nos distraindo com propostas cosméticas como esta, o desastre seguirá seu curso.
E, ao final, quem pagará o preço? Como sempre, nossas crianças e nossos adolescentes. Por ora, o celular continuará como o bode expiatório favorito dos legisladores. Afinal, é mais fácil culpar um objeto do que assumir o fracasso de décadas de negligência e incompetência. Enquanto continuarmos atacando sintomas e ignorando a doença, seguiremos produzindo gerações de analfabetos funcionais com diploma – verdadeiros doutores em ignorância, PHDs em mediocridade. O celular? Ah, esse é apenas o bode expiatório perfeito para mascarar nossa própria incompetência em alfabetizar cidadãos pensantes.
Gabriel Carvalho de Jesus é advogado.
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