Esqueça FHC. Esqueça Lula. Esqueça Bolsonaro. Poderia citar mais alguns mortos-vivos, mas esqueça-os também. Quem manda no Brasil é o Centrão, um grupo político numeroso, amorfo e movediço que, em vez do protagonismo e da liderança, prefere determinadas posições de retaguarda, regadas por generosas fatias do orçamento público. Fogem da luz, pois preferem as sombras.
Não traduz nenhuma novidade dizer que o sistema partidário brasileiro é uma colcha de retalhos. Objetivamente, o resultado parcial das eleições municipais exala sintomas e patologias. De todas, uma é por demais ilustrativa: os maiores partidos brasileiros em número de prefeituras – MDB, PP e PSD – são agremiações que não tiveram candidatos à Presidência da República nos últimos pleitos. Ou seja, são agremiações que vivem no pântano do fisiologismo político, subjugando, por sua maioria parlamentar, os projetos vencedores de poder.
Sem cortinas, o Centrão representa flagrante subversão da democracia, aniquilando a autonomia da governabilidade com consequente relativização do voto popular. Isso porque o povo pode escolher, mas, se o escolhido não se ajoelhar ao Centrão, irá capitular por deliberada asfixia parlamentar. E o interesse público, onde fica? Esqueça. Para essa turma o que importa são apenas os negócios da política de balcão. Sobram cifras no enterro da dignidade democrática.
Infelizmente, nosso sistema partidário é moral e institucionalmente falido; salvo raríssimas exceções, não há ideal, não há princípios, não há ética política. A questão é: o que fazer para rompermos a teia viscosa do fisiologismo doentio?
Ora, primeiramente, é imperativo admitir que as velhas soluções não funcionam mais; a sociedade exige novas e melhores respostas. Logo, de nada adianta bradar por mudanças e, contraditoriamente, insistir com hábitos que levam aos lugares de sempre. A realidade política requer posturas e incidências inovadoras que, com criatividade e talento, elevem a institucionalidade do poder, rompendo com o oportunismo antidemocrático do Centrão.
Para tanto, precisamos de lideranças políticas dignas e honestas que tenham a coragem e a habilidade necessárias para enfrentar o sistema posto. No campo aberto das soluções eficazes, é necessário explorar, com inteligência, as redes sociais para a geração de ondas cívicas transformadoras sobre o Congresso Nacional, impondo a votação vertical de pautas inadiáveis ao progresso do Brasil. Afinal, quando o povo quer, a classe política vota.
O desafio está em criar um virtuoso movimento dinâmico sobre o parlamento, quebrando a inércia legislativa que deixa o barco andar até onde possível for. Sim, o Congresso trabalha pouco e mal, gastando tempo e recursos em discussões laterais que não atacam a essência dos problemas nacionais. A democracia contemporânea exige obrigatória responsividade legislativa, por meio de um corpo político proativo, sério e dedicado a superar os entraves mesquinhos que condenam o Brasil ao baixo desenvolvimento econômico e à alta desigualdade social.
Ao contrário do radicalismo estúpido ou do extremismo cego, a democracia autêntica exige a superioridade da razão pensante e do ímpeto intemerato que vence o medo para levar luzes onde reina a escuridão. Temos de ter viva consciência de que, apesar de todas as deficiências do sistema democrático, nada – absolutamente nada – compensa aventuras outras que não sejam pautadas pelo regime das liberdades constitucionais, pelo livre debate das ideias e pelo respeito às diferenças humanas na vida em sociedade.
Democracia, antes de perfeição, é possibilidade. Enquanto houver decência cívica, sempre será possível o surgir da ação democrática que promova o bem a todos, com diálogo, equilíbrio e entendimento político. O Brasil, definitivamente, merece mais, pois não há nação que resista tanto a tão pouco.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.
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