O bom do momento que se vive é a disponibilidade de recurso financeiro e o fim de críticas que acreditavam que investir no Centro favorece ricos e esquece demandas de bairros pobres
Aqui discutimos o Centro de Curitiba. Dele é dito que aí convivem degradação, subutilização (imóveis vazios) e insegurança maior que em outros bairros. Certo? Absolutamente errado.
O Centro de Curitiba é importante para todos: representa e sintetiza a cidade inteira. O que aí ocorre influencia nossa autestima urbana; sentimento que implica qualidade de vida e maior ou menor felicidade de aqui morar. Para os turistas e negócios que queremos atrair, sua imagem segue importante, implicando internalização de dinheiro e geração de empregos. Medir felicidade urbana é difícil. Já os turistas fazem da Tiradentes uma das paradas mais procuradas das 24 da Linha Turismo.
Espaço degradado sugere abandono de imóveis ou superutilização. O trecho mais comercial da Rua das Flores conta com até 150 mil transeuntes/dia; meia Ponta Grossa, quarta maior cidade do Paraná, comprando, negociando e passeando em uma única rua. No trecho mais adensado da Marechal Deodoro, o IPTU comercial e a hora em estacionamentos privados estão entre os mais altos da cidade, indicando muito mais uma superdemanda do que abandono.
Tem-se a ideia de que o Centro está vazio por seu comércio cerrar as portas às 19 h; os gestores urbanos se desesperam com esse deserto noturno. Certo? Parcialmente errado. Se distribuíssemos o uso das coisas urbanas (imóveis, ruas, energia, serviços, saneamento, dentre outros) ao longo das 24 horas, o Centro ainda demonstraria um uso mais intenso que os sonolentos bairros residenciais, de baixa densidade e vazios durante o dia.
O Centro é inseguro? Depende. A cada 12 horas, uma pessoa é assassinada em Curitiba: a maior concentração desses casos ocorre em bairros com características opostas ao Centro: os de ocupação recente e com população mais jovem; no Centro, revelam-se furtos e roubos a transeuntes desapercebidos.
As grandes cidades brasileiras assistiram, dos anos de 1970 a 1990, à desvalorização de suas áreas centrais. O caso de São Paulo é conhecido. Curitiba, por contar com uma série de intervenções urbanísticas, conseguiu diferenciar-se: tem agora um Centro relativamente preservado e aberto a novas intervenções, sejam do setor privado, com uma onda de novos edifícios e reformas, seja do setor público, atuando em nome do interesse maior. Da parte desse último, vale lembrar a recuperação da Tiradentes, uma certa melhoria na Marechal Deodoro, a revitalização da Riachuelo, a reciclagem do Paço Municipal e as obras do novo campus da UFPR na antiga Rede Ferroviária.
O bom do momento que se vive é a disponibilidade de recurso financeiro e o fim de críticas que acreditavam que investir no Centro favorece ricos e esquece demandas de bairros pobres. Atualmente, há mais dinheiro e se reconhece que é importante investir no centro. Se no passado, chegou-se a considerar reformas como a da Rua das Flores como elitista; hoje, elas são vistas como uma celebração.
As classes mais ricas dizem abandonar o Centro porque este é deteriorado. Verdade? Como dito por outros autores, acho que não. Se o Centro tem problemas, é porque foi abandonado por muitas das pessoas que têm poder de decisão na cidade. A situação é inversa: esse abandono por elas é a causa, e não a consequência de um eventual problema. Vejamos a fragilidade da desculpa dessas pessoas para não ir ao Centro. Afirmam que os edifícios envelheceram e não atendem às novas demandas: a Europa nega. Os não usuários do Centro atestam que não o acessam por causa do trânsito, mas ele não é pior que o de outros bairros comerciais. Quando o Centro era indiscutivelmente a área mais cobiçada, aí já havia conflitos nas vias. O Centro de Curitiba tem um grande potencial urbano, talvez por isso outros compartimentos metropolitanos o copiam. Convenci? Se sim, vale também conhecer os Centros de Campo Largo, Pinhais e São José dos Pinhais.
Clovis Ultramari, arquiteto, é professor na PUCPR. Esse texto integra uma rodada quinzenal juntamente com os autores Fabio Duarte, Irã Dudeque e Salvador Gnoato