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O charuto da paz

Foi com essa sugestiva manchete que importantes jornais do mundo celebraram o reatamento de relações entre Estados Unidos e Cuba, o que marca a política internacional pelo inusitado e pelo surpreendente. Produto de longo esforço diplomático a múltiplas mãos, o comunicado de Washington e de Havana transcende a relevância dos fatos, para incorporar-se ao universo da simbologia e do mito, com a superação de dogmas insustentáveis, ultrapassados pela racionalidade e pelo pragmatismo que permeiam a modernidade.

Acima de ideologias decrépitas e de suas certezas panfletárias, da mesma forma como os Estados Unidos souberam trazer para o mundo desenvolvido o Sudeste asiático, com comércio e investimentos sem traumas do passado, há muito se esperava solução vietnamita para o também impasse do Caribe. Se minorias intensas – de um lado, falcões; de outro, sectários de comunismo fardado – conseguiram conservar a agenda de conflito por algum tempo, necessidades convergentes parecem ter imposto nova ordem, a ditar o acordo que ora desagrada apenas os dinossauros saudosistas da caverna e do dogma.

Com efeitos importantes não só para o continente, pelo irresistível impulso anímico de paz e de concórdia que o fato deflagra, a nova política americana está fadada a transformar Obama em vulto sem precedentes, como se finalmente estivesse a fazer algo para que foi eleito, pelo que representava e com as esperanças que sua original liderança permitam antever. Somente agora, no entanto, é que o presidente negro, de nome islâmico e nascido no Havaí parece fazer jus ao Nobel da Paz que recebeu, por muitos contestado, por suas guerras ineficazes e de efeitos discutíveis.

Nem tudo está resolvido entre Cuba e Estados Unidos, é certo. Obama necessita ainda fazer revogar no Congresso a lei que impõe os embargos econômicos. Lei concebida para isolar Fidel e seus fantasmas, mas que acabou por isolar os próprios americanos, condenados por todos os foros e pela opinião pública mundial. Como afirmou maieuticamente o secretário de Estado, John Kerry, "ficamos fora da história". No entanto, como serão as corporações e os lobbies econômicos a agora pressionar congressistas recalcitrantes, não será surpresa se republicanos mudarem rapidamente de ideia, a esquecer o big stick e a doutrina Monroe.

Ainda que não tenhamos chegado ao último capítulo da Guerra Fria, como vaticinam alguns iludidos, estamos galgando importantes patamares na consecução da difícil escalada da civilização e da segurança coletiva. Não custa lembrar que foi uma das tantas crises cubanas que quase deflagrou a Terceira Guerra Mundial, evitada pela providência da diplomacia presidencial entre Kennedy e Kruschev. Decerto restam desafios de atraso e barbárie, como noticiam quotidianamente os jornais, no entanto enfraquecidos por projetos virtuosos de paz e de concórdia, como o que ora se anuncia.

A convergência de esforços como os que se verificam, para a reaproximação exitosa entre Estados Unidos e seu detrator histórico, permitem que se alimentem otimismos realistas acerca do mundo e de seus múltiplos impasses, como mudanças climáticas, proliferação nuclear, pobreza, violência religiosa, Coreias e Oriente Médio. Nada que não se possa enfrentar com a renovada esperança humanista que por vezes revigora a história, com novas lideranças benfazejas que vão surgindo, como a do inefável papa Francisco e a do premiê canadense, Stephen Harper.

Jorge Fontoura é doutor em Direito Internacional e analista de política externa.

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