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Entrei numa fria! A gerente de recursos humanos de uma empresa convidou-me para fazer palestra em um treinamento interno. Ela pediu-me para falar sobre "o desafio do crescimento", dizendo que esse tema cairia bem nesta época de crise econômica. O evento começou com vinte minutos de atraso, e o dono da empresa, que deveria fazer abertura de 20 minutos, falou durante uma hora. Nervosa, a moça perguntou se eu poderia reduzir minha exposição a meia hora apenas. Respondi que sim, com duas condições: uma, o telão deveria ser desligado para que eu abandonasse os slides; outra, eu avisaria aos presentes que, em função do atraso na programação, pediram para eu desistir da minha palestra e fazer uma fala de apenas meia hora.

Ao final do seu discurso de abertura, o dono da empresa informou que eu falaria sobre "o desafio do crescimento... profissional", e pediu que eu falasse sobre qual o pior tipo de chefe. Uma bagunça... a começar pelo fato de que a gerente de RH havia encomendado uma palestra sobre crescimento econômico e não sobre crescimento profissional. Resolvi esclarecer tudo à plateia e disse que falaria sobre "o chefe CAIM". A palavra CAIM é apenas a união das primeiras letras das características de um tipo de chefe, que podem ser resumidas como segue:

1. Concludente. CAIM é um sujeito que, diante de uma situação ou evento, conclui por sua conta qual é o problema, quais as causas e por que tudo aconteceu. Os ditadores são assim. Em qualquer situação, o problema é aquilo que eles querem que seja. Eles são cheios de certeza. Costumam não ter dúvidas. Certa vez, um assessor informava ao ditador soviético Leonid Brejnev que ele precisava rever sua decisão, porque os fatos eram diferentes do que ele estava imaginando, ao que Brejnev retrucou: "Eu quero estar do lado dos fatos, mas se os fatos estão contra mim, pior para os fatos".

2. Autoritário. CAIM não gosta de debater nem de ouvir. Ele gosta de dominar e impor. Além do mais, ele é mestre em inventar teorias para explicar as situações. O presidente Hugo Chávez é um bom exemplo de autoritarismo. Por trás de tudo que ocorre contra ele ou contra seu governo, ele vê a CIA, o governo americano ou outro alvo qualquer que ele deseja atacar. O autoritário decide e não quer saber da opinião de ninguém. Pessoas que têm sucesso por muito tempo costumam ceder à tentação de se tornarem autoritárias, e isso é um perigo. Um dia, erros são cometidos e eles caem.

3. Intolerante. CAIM não admite opinião diferente ou divergente da sua. Por isso, ele não suporta ser contestado nem gosta de ter suas conclusões submetidas ao exame crítico. Ele usa o poder do seu cargo para calar os outros e quem insistir em debater é tido como inconveniente e tirado logo do caminho. Quem trabalha com CAIM deve saber que a melhor tática para sobreviver é obedecer e não discutir. Ele é que sabe das coisas, não você. Os intolerantes invariavelmente se irritam muito fácil quando os outros resolvem argumentar com eles.

4. Mandão. Como seria lógico, o negócio de CAIM é mandar sem ter de explicar nem convencer. Ditadores são todos assim, nos governos e nas organizações. Eles se acham indispensáveis, não acreditam muito na capacidade dos outros, são narcisistas e como diz Caetano Veloso: "Narciso acha feio tudo que não é espelho". Por isso, eles nunca largam o poder, nem mesmo quando doentes e no fim de suas vidas. O Brasil teve uma ditadura curiosa: a cada quatro anos, mudava o ditador, o que é raro, pois, em geral, ditadores não largam o osso. Dois desses espécimes vivos são Fidel Castro (que, por razões nunca compreendidas para mim, a imprensa só chama de "o líder cubano", quando é um ditador como outro qualquer) e Kim Jong, da Coreia do Norte. Estão morrendo e não dão o lugar para os outros. São patéticos.

Cunhei a expressão "chefe CAIM", numa analogia com a história bíblica do assassinato de Abel. Caim foi o maior assassino da história da humanidade. Ao matar o irmão, ele dizimou um quarto da população da Terra, já que eram os únicos filhos de Adão e Eva. Nos governos ou nas organizações, o chefe CAIM é um assassino de talentos. Em torno dele, ninguém cresce. Dizendo isso, terminei minha palestra.

José Pio Martins, economista, é vice-reitor da Universidade Positivo.

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