Novamente somos tomados de assalto e feitos reféns por um grupo de descontentes com o cenário atual. Dessa vez foram os caminhoneiros, que há mais de sete dias resolveram desligar os motores e cruzar os braços no desejo de expor a suposta injustiça causada pelo novo sistema de ajuste nos preços dos combustíveis em vigência desde que Pedro Parente assumiu o comando da Petrobras em maio de 2016. Por mais legítimo que seja o descontentamento da classe, os argumentos utilizados são carentes de qualquer lógica econômica.
A Petrobras, como qualquer outra empresa, tem de ser lucrativa. A política de congelamento dos preços dos combustíveis derivados de petróleo colocada em voga pelos governos petistas quase quebrou a empresa, que foi obrigada a aumentar explosivamente seu nível de endividamento e teve sua nota de crédito rebaixada sucessivas vezes, afugentando investidores e colocando credores em estado de alerta. Para poder manter o congelamento de preços, a empresa tinha de manter um preço elevado no mercado nacional quando o petróleo estava com preço baixo no mercado internacional ou ainda tinha de comprar petróleo mais caro no mercado internacional para vendê-lo a preços inferiores aos brasileiros. Além do custo imenso para a empresa estatal, tal política gerava ainda um efeito bizarro: quando o preço do petróleo subia, a empresa gerava prejuízos na sua atividade principal. No modelo de reajuste de preços vigente, leva-se em conta o preço internacional do petróleo e a taxa de câmbio. Nos últimos 12 meses, a commodity valorizou-se quase 60% (de US$ 50/barril para os atuais US$ 80/barril). Agravando a situação, o câmbio desvalorizou-se mais de 10% nos últimos 60 dias, gerando um efeito combinado que se refletiu em sucessivos aumentos nas bombas dos postos de combustíveis em todo o país.
Vale mencionar que uma política de congelamento de preços semelhante quase quebrou a Eletrobras
Vale mencionar que uma política de congelamento de preços semelhante quase quebrou a Eletrobras e gerou uma conta enorme a ser paga pelos brasileiros. No final do seu primeiro mandato como Presidente da República, Dilma Rousseff, no ímpeto de conter a inflação que naquele momento saía do controle e com o objetivo principal de gerar capital eleitoral para as eleições que se aproximavam, assinou uma medida provisória que alterava o marco regulatório do setor elétrico e retirou encargos da tarifa de energia. Isso permitiu, em 2013, uma redução de cerca de 20% na conta de energia elétrica para os domicílios e para a indústria. Porém, em 2015, o governo se deu conta de que não teria recursos para manter os subsídios à tarifa, criando então o “tarifaço”, com um aumento de mais de 50% na conta de luz e gerando um passivo indenizatório astronômico com as distribuidoras, que tiveram de absorver aumentos nos seus custos que pela medida provisória não poderiam ser repassados às tarifas. Pelos cálculos da Aneel, as indenizações que o governo federal deve às distribuidoras totalizam R$ 62 bilhões e serão pagas até 2024 através de um incremento na conta de energia elétrica dos consumidores. Em outras palavras, não existe almoço grátis. Congelamento de preços não significa nada além de populismo fiscal e irresponsabilidade intertemporal, pois se transfere para o futuro o fardo dos erros cometidos no presente.
E é aqui que reside a ignorância coletiva do brasileiro. Criticamos a “cruel” política de reajuste de preços da Petrobras, mas não nos incomodamos com a elevadíssima carga tributária que pagamos diariamente, carga essa necessária para sustentar um estado pesado, lento e ineficiente. Revoltamo-nos contra a estatal, mas não contestamos nossa política energética, que ainda privilegia os combustíveis fósseis em detrimento de energias alternativas (vento e sol não sofrem os impactos do câmbio desvalorizado e dos incrementos no preço internacional do petróleo). Culpamos os supostos cartéis das distribuidoras, mas não questionamos nossa política de infraestrutura, que ainda concentra mais de 65% do total da carga movimentada em um único modal, custoso e poluidor. Acriminamos os empregadores e operadores do setor logístico, capitalistas nefastos e egoístas, mas não nos incomodamos com o fato de que um banco público de fomento (BNDES), com recursos públicos, tenha financiado a construção do Porto de Mariel em Cuba ou a Ponte do Rio Orinoco na Venezuela ou ainda a Hidrelétrica de Tumarín na Nicarágua, investimentos estes que poderiam ter sido direcionados para corrigir as deficiências da nossa própria infraestrutura.
Leia também: Protesto, greve ou locaute no transporte (artigo de Sandro Lunard Nicoladeli, publicado em 31 de maio de 2018)
Francisco Escorsim: Não temos representantes. Mas queremos? (publicado em 29 de maio de 2018)
O protesto é legítimo e elemento fundamental em qualquer democracia. No entanto, quando não aprofundamos o debate e não direcionamos nossos esforços ao entendimento da causa-raiz dos nossos problemas, parece não passar de baderna pura e simples, sem uma ambição duradoura e vazio de conteúdo concreto. Os mesmos que protestam hoje são aqueles que elegem plataformas sem qualquer compromisso com a austeridade fiscal e com a modernização da nossa economia. Nesse contexto, é impossível não recorrer ao ciclo eleitoral de 2014. Naquele momento, havia também um clima de descontentamento generalizado com o governo e alguns setores se aproveitaram do momento imediatamente anterior à realização da Copa do Mundo no Brasil para barganhar suas reivindicações, ameaçando paralisar o país caso os pleitos não fossem aceitos. Esses mesmos grupos apoiaram e reelegeram um governo que já havia demonstrado sua incompetência e sua falta de comprometimento com o país.
Na democracia, a arma mais eficiente e poderosa ainda é o voto. Ele nos permite fazer escolhas por plataformas que estejam alinhadas às nossas necessidades coletivas. Ele nos permite analisar os erros do passado e incorporar os aprendizados às políticas que pretendemos implementar no futuro. Nosso passado e nosso presente estão recheados de evidências das mazelas de vivermos sob um Estado pesado, caro e ineficiente, que depende de uma arrecadação grandiosa para se sustentar, além de um sistema político que perpetua as relações perniciosas entre agentes do setor público e agentes do setor privado. Chegou a hora de lutarmos sim por um Estado mínimo, que prese por um orçamento público equilibrado e que não seja oneroso para as gerações futuras. O ciclo eleitoral de 2018 será a nossa chance de fazermos melhores escolhas no presente para não termos de fazer tantos protestos no futuro.
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