Gosto não se discute. É característica pessoal e um elemento subjetivo na cultura de cada povo. Dizem até que é que nem nariz: cada um tem o seu, e olha que tem nariz de todo tipo por aí. Difícil agradar a todos. Mas a supervenção do senso comum é o que suscita a crítica como elemento objetivo, é o que ajuda a formular a opinião das minorias transformadoras, e aí entra minha tese.
Quando a questão é cinema nacional, muitos torcem o tal nariz; outros, felizes da vida, até se alinham em avant première de um novo longa. Mas, para esta minoria transformadora, meter o nariz numa sala de cinema para ver um filme nacional é um mau negócio. É comprar ingresso para um show de horror sem ter ido ver um filme de medo. Pode ser o contrário também, mas há de se saber que a cartilha cinematográfica brasileira hoje em dia é composta de filmes feitos para vender na bilheteria. Todos possuem mais ou menos o mesmo formato. É a bilheteria do clichê.
O que é ainda pior é que são filmes desenvolvidos sob orientação do mesmo tipo de pesquisas de mercado, encomendadas para formulação das grades de programação dos canais abertos da televisão brasileira. Daí saem jornais de alcance nacional, reality shows, programas de humor, boa parte deles presentes nas nossas casas todos os dias. Para os donos desses estudos de absorção, basta saber para que lado sopram os ventos de mercado. “Você tem sede de quê?”, cantavam os Titãs.
Mas eu me pergunto: saberemos responder, quando inquiridos nessas pesquisas, sobre o que ninguém ainda assistiu em português? Saberemos responder algo sobre épicas histórias românticas que não foram produzidas? Sobre histórias epopeicas de traição e vingança? Quem sabe um estrepitoso filme de horror brasileiro? Ou um fabuloso filme de poder e glamour envolvendo o empresariado nacional tão em evidência atualmente no cenário internacional? É mais ou menos a história do iPad. Se me perguntassem há dois anos se eu queria um gadget desses, eu nem saberia o que responder, porque afinal não sabia o que era um iPad!
Acontece que toda a temática circunscrita ao cinema nacional de hoje representa uma evolução de temas apelativos que, nos idos de 1980, eram as pornochanchadas para o que se vende hoje. Como o sexo e toda forma de sua expressão banalizou-se pela mídia e redes sociais, decidiu-se enveredar pelo caminho do tiro, porrada e bomba, fome, miséria e comédia besteirol. São assuntos que margeiam todo o bom conteúdo que podemos transmitir. Apesar da importância que o cinema tem para a formação sociocultural de uma nação, insiste-se em mostrar a monotemática da violência social e das comédias mambembe.
Toda a temática circunscrita ao cinema nacional de hoje representa uma evolução de temas apelativos
(Aliás, por falar em comédias besteirol, os roteiristas e diretores deste segmento que me perdoem, mas confesso que, se for para meter o nariz em uma sala de cinema para ver mais do mesmo, prefiro ficar com o bom e velho Mazzaropi ou, ainda, com nossos queridos Trapalhões.)
Apesar de ser a oitava economia mais importante do planeta e ter o quinto maior território em extensão, o Brasil é refém de roteiristas e diretores que, salvo raras exceções, persistem em mostrar à comunidade internacional o aperto das favelas do Rio de Janeiro e, a tiracolo, toda a sua violência em incontáveis filmes como Cidade de Deus, Tropa de Elite, 5 x Favela, Orfeu, Alemão etc. Nossos cineastas reforçam seu proselitismo satânico, adotando o nosso pobre e árido Nordeste em filmes como Central do Brasil, O Auto da Compadecida, O Pagador de Promessas, Raízes do Sertão, Vidas Secas, O Cangaceiro e a lista segue, sendo tudo isso em um país que, apesar de ter a quinta maior população do planeta, grandes cidades, uma fauna e uma flora majestosa, possui por suas lentes a visão única da miserável pobreza.
Não tenho nada contra mostrar nossas verdades, mas que elas sejam contadas por inteiro. Temos outras histórias também: de alegria, de amor, de solidariedade. Que bem viria um bom filme sobre nossos heróis pracinhas da Segunda Guerra Mundial; da incrível descoberta de Pedro Alvares Cabral e suas caravelas; do herói abolicionista Joaquim Nabuco. Não somos o celeiro da hecatombe, nem o Mad Max do sertão. Somos o Brasil, a nação cujas mesmas pesquisas trombeteiam ter o povo mais feliz do planeta. E nem todas as poucas exceções de excelentes filmes produzidos até aqui seriam suficientes para corresponder ao nosso tamanho e essência.
Dias atrás assisti ao A que horas ela volta?, maravilhosamente interpretado por Regina Casé. Seria uma história sensacional se não fosse mais roupa suja no tanque do povo brasileiro. O filme é nada mais, nada menos que a demonstração da reminiscência do período Brasil Colônia até o século 19. Do resquício de uma sociedade escravocrata perenizado na classe média brasileira. Em nenhum pais desenvolvido do mundo existe tal relação de subordinação, tal estratificação social. Para quem tiver dúvida sobre isso, recomendo ver o filme.
Já pararam para pensar que o Brasil tem tudo para se tornar um dos maiores produtores de filmes mundiais por ser, dos Brics, o único povo a não possuir fenótipo definido? Brasileiro tem cara de japonês, de italiano, de português... no é como os demais povos dos Brics). Desse grupo, o país é a única democracia capitalista, tem a melhor fotografia para um roteiro e, ademais, temos todo o apoio estatal de incentivos através da Lei Rouanet e projetos como o programa “Brasil de todas as telas”. Clamemos, pois, pelo livramento deste complexo de inferioridade tupiniquim e vamos para o ataque!
Durante muitos anos fui um cinéfilo na linha alternativa. Sempre gostei muito da experiência sensorial que o cinema cult me proporcionara. Vi vários longas estrangeiros dignos de fazer os nossos nacionais valerem um Oscar; mas também descobri verdadeiras pérolas no cinema terceiro-mundista: o iraniano Filhos do Paraíso, o mexicano E sua mãe também, os argentinos O filho da noiva, O segredo de seus olhos e Nove Rainhas, o egípcio A Banda, o imperdível israelense Ushpizin. São uma mostra de que é possível, sim, fazer cinema de extrema qualidade e conteúdo dentro do chamado cinema low budget – baixo custo.
Mesmo com uma pujante política de subsídio à indústria cinematográfica, o país que já foi a sexta maior economia mundial nunca levou um Oscar. Neste ínterim, a Itália recebeu dez; a França, nove; a Rússia e a Espanha, quatro; Dinamarca, Holanda, Suécia, Alemanha e República Tcheca, três; Argentina, Áustria e Suíça, dois; e África do Sul, Argélia, Bósnia e Herzegovina, Canadá, Costa do Marfim, Hungria, Irã, Japão e Taiwan, um Oscar cada.
Para terminar, que comece 2016! E que este ano novo venha com tudo e nos traga muitas aspirações, excelente conteúdo e imensas alegrias para o nosso Brasil, materializadas nas telas de cinema de nosso país. Mãos à obra; claquete, câmeras, ação!
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