De acordo com a célebre obra do Barão de Montesquieu, O Espírito das Leis (1758), uma consequência natural do comércio entre as nações é promover a paz. Duas nações que comercializam entre si tornam-se reciprocamente dependentes, pois, se uma tem interesse em comprar, a outra tem interesse em vender; desse modo, todos os sindicatos, trabalhadores e empresários passam a ter atendidas suas necessidades mútuas.
Não é à toa que a expansão do comércio internacional no pós-guerra e principalmente com a globalização, no século 20, foi tão importante para que fossem diminuídos os conflitos no planeta. É óbvio que ainda existem disputas territoriais, religiosas e políticas, mas uma grande parte das nações passou a entender que os custos de conflitos militares superavam, e muito, os benefícios do comércio internacional, tornando sem lógica sua aplicação.
Dentro desse contexto histórico e observando a importância que o comércio internacional continua a ter como elemento fundamental de desenvolvimento para as sociedades, cabe uma pergunta fundamental: como estamos do ponto de vista da nossa inserção no comércio internacional? Primeiro, é importante ressaltar que o Brasil é hoje a nona maior economia do planeta, com um Produto Interno Bruto aproximado de US$ 1,8 trilhão, de acordo com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Demograficamente, também somos o sexto maior mercado consumidor do planeta, com 212 milhões de habitantes segundo o IBGE. Em 2020 nos tornamos o maior produtor de soja do planeta, desbancando os Estados Unidos; antes disso, já éramos o maior exportador deste produto.
Também somos o maior exportador de proteína animal do planeta, respondendo por cerca de 20% da oferta global, o que nos dá o selo de “celeiro do mundo”. É importante ressaltar que essas caraterísticas que tornam o Brasil uma potência econômica e líder em alguns segmentos internacionais têm uma participação intrínseca da natureza, pois o clima, o solo, as dimensões territoriais do país e a demografia formada ao longo de cinco séculos foram capazes de criar condições naturais ideais para o agronegócio brasileiro. Não cansamos de ver nos telejornais e jornais manchetes como “o agro salva o PIB do ano” ou “o agro foi responsável pelo superávit em nossa balança comercial”.
Todavia, não podemos deixar de afirmar que, aproveitando as benesses da natureza, os empresários desse setor e aqueles que proporcionaram os investimentos públicos e privados em ciência e tecnologia foram fundamentais para ratificar a produção agrícola e mineral brasileira como base do importante sucesso do desenvolvimento econômico e social do nosso país, e isso é algo que continuará assim pelas próximas décadas.
Apesar de todas essas características positivas, infelizmente a inserção internacional do Brasil dentro das exportações e importações mundiais ainda é muito limitada. Segundo dados atualizados da Organização Mundial do Comércio, o Brasil ocupa a 27.ª posição, com participação de apenas 1,2% no comércio internacional de mercadorias, atrás de nações como Cingapura, Rússia e Bélgica. Qual a razão de a nossa inserção ser tão baixa e tão pouco representativa no âmbito dos negócios internacionais? Em uma comparação rápida, a Alemanha, que foi reunificada como nação recentemente, em 1990, tem participação de 8% do comércio internacional, enquanto o Japão, que foi destruído pela guerra em 1945 e tem pouquíssimos recursos naturais, hoje representa quase 4% do comércio internacional.
A resposta a essa situação em que nos encontramos hoje não é simples, mas é possível dividi-la em fatores internos e fatores externos. Os fatores internos são aqueles que as nações como China, Japão, Cingapura e outros tantos usaram como base fundamental não apenas para o comércio internacional, mas para o desenvolvimento da sociedade como um todo: eles têm por base a alfabetização funcional universal e o desenvolvimento da educação básica e média de qualidade como medida que servirá de suporte para a inovação; a universalização do saneamento básico como medida de saúde e poupança de recursos públicos; e a cultura da meritocracia e responsabilização pelos atos dos indivíduos.
No plano externo, todas as nações que aumentaram sua participação no comércio internacional definiram estratégias nacionais de longo prazo, modelos de projeção do poder econômico e político de suas nações que transcenderam governos e se tornaram efetivas políticas de Estado. Podemos caracterizar tais estratégias como políticas geoeconômicas, que podem ser entendidas como o uso de ferramentas econômicas para promover objetivos geopolíticos, como a conquista de novos mercados consumidores e fontes de recursos naturais, ampliando assim a participação porcentual de uma nação no comércio internacional.
Essas estratégias passam necessariamente por um conjunto de ações que ainda não conseguimos realizar, mas que são essenciais para que possamos aumentar nossa participação no cenário internacional. Em primeiro lugar, não podemos tentar reinventar o Brasil a cada oito anos; a continuidade de projetos bem-sucedidos deve se tornar algo comum, tanto como política interna quanto na política externa.
O Estado brasileiro deve agir como um parceiro das grandes empresas brasileiras, sejam elas estatais ou privadas, para se internacionalizarem, seja pelo aumento das exportações ou pela aplicação do investimento direto estrangeiro. É necessário que a reforma tributária e federativa ocorra para que possamos nos adequar aos modelos da OCDE e, assim, diminuir nossas barreiras tarifárias, que nos tornam uma das nações mais fechadas do mundo aos produtos importados.
A política externa comercial brasileira não precisa “reinventar a roda”, pois os Estados Unidos se basearam no exemplo do Reino Unido; a China se baseou no modelo do Japão; e muitos outros países desenvolveram políticas próprias adaptando-se a elementos já existentes. O que nos falta como nação, para ampliar nossa participação na inserção internacional, são reformas, reformas e mais reformas.
Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.
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