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O construtor em tempos líquidos

Ele se apresenta como sociólogo e faz questão de mostrar a sociologia como ciência capaz de desfazer impasses que atormentam a humanidade há séculos. Se não todos, pelo menos os mais prementes. Passou pelo Rio numa fulminante temporada e, aos quase 90 anos, exibe formidável disposição para mediações e compartilhamentos. Do inspirador, Sócrates, pediu emprestada a capacidade de armar diálogos e produzir sínteses – sempre intensas mesmo quando breves. O saber enciclopédico flui com incrível naturalidade e isso a tal ponto que os interlocutores mal distinguem o que é seu ou deles. Prodígios da maiêutica.

Polonês meio-inglês, Zygmunt Bauman tem sobrenome alemão, certamente por causa dos antepassados judeus: construtor. Ironicamente, é dele o conceito de que nosso tempo é essencialmente líquido, nada consegue solidificar-se em formas estáveis. Para Bauman, o problema não é nossa incapacidade para remediar esta condição líquida, mas a falta de um agente capaz de produzir o conhecimento necessário para corrigir a situação com a necessária urgência.

Bauman preocupa-se seriamente com o consumismo desenfreado, esta felicidade “faz de conta”

Para ele, tudo é gerenciável: por isso enquadra-se como pessimista no curto prazo e otimista numa perspectiva maior. O mal-estar e desconforto que dominam o mundo contemporâneo não são indícios de uma guerra iminente e inevitável. Parafraseando Clausewitz, pondera que existem guerras por outros meios.

A Europa tem jeito, garante, falta apenas a experiência para lidar com circunstâncias inéditas. Afinal, para manter um continente sem guerras nem fronteiras, faz-se necessário desenvolver um repertório de soluções compatível com as diferentes situações.

Este gerenciador contumaz de aflições preocupa-se seriamente com o consumismo desenfreado, esta felicidade “faz de conta” – líquida – de acumular coisas. O mundo não tem condições de suportar esse tipo de desgaste. E não será com o mero clicar de um teclado que produziremos as saídas para este impasse. Esse crítico dos meios de comunicação está mais próximo do quase esquecido Marshall McLuhan, cuja preocupação maior eram os meios convertidos em mensagem.

Ao ser questionado sobre o seu segredo para vender quase 600 mil exemplares com os 35 títulos editados pela Zahar no Brasil ao longo de 26 anos, abriu uma gostosa gargalhada: “eu não conhecia estes números!”

Não o incomoda a intensa intimidade do entretenimento com a informação qualificada: o mundo precisa entreter-se, afirma. Mas fica evidente que o segredo deste sociólogo – como o dos filósofos – é levar suas percepções a todas as esferas, procurando fazer com que todos possam inteirar-se e interessar-se por elas. Na série dos temas líquidos, inclui o amor e a fragilidade dos laços humanos.

Confessa desconhecer a expressão “milagre brasileiro” (afinal, foi engendrada durante a ditadura, há quase meio século), mas considera uma façanha incluir 20 milhões de pobres na sociedade. O importante, conclui, será gerenciar a continuidade do processo.

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