A recusa da Assembléia Legislativa do Paraná em fornecer a relação de seus funcionários para a reportagem da Gazeta do Povo constitui não apenas um fato político comprometedor para a chamada casa do povo como também um grave paradoxo institucional.
O artigo 234 da Constituição declara que "o Estado publicará anualmente, no mês de março, a relação completa dos servidores lotados por órgão ou entidade, da administração pública direta, indireta e fundacional, em cada um de seus Poderes, indicando o cargo ou função e o local de seu exercício, para fins de recenseamento e controle". Outro dispositivo de nossa Carta Política proclama que a administração pública deverá obedecer, entre outros, os princípios da moralidade, publicidade, razoabilidade, eficiência e economicidade (art. 27). É importante lembrar que a sonegação e o fornecimento incompleto ou incorreto ou a demora na prestação de informações públicas importam em responsabilidade, punível na forma da lei (§ 8.º, do art. 27).
Como poderá o cidadão-eleitor aferir o cumprimento dessas regras éticas se não tiver acesso ao fato administrativo que a imprensa deveria registrar?
A Gazeta do Povo solicitou oficialmente a cópia do parecer jurídico que teria embasado a lamentável negativa. Conforme a matéria da edição de 29/9 (p. 9), a Mesa Executiva da Assembléia não atendeu essa promessa elementar da Constituição Federal: "todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo de lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado" (art. 5.º, XXXIII).
A Constituição portuguesa garante a todos os cidadãos "o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos" (art. 48.º, n.º 2). Essa regra de controle democrático da administração pública vale também para o sistema jurídico brasileiro (CF, art. 5.º, § 2.º).
A alegação, extra-oficial, de que a recusa visa proteger a intimidade dos servidores é esdrúxula, pois o confronto entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade (nome, honra, intimidade, vida privada, imagem, etc.), deve ser resolvido pelos meios de comunicação e os tribunais através de um processo de balanceamento de bens em colisão. Prevalece sempre o interesse público visado pela informação.
Como aspectos essenciais da liberdade de informação devem ser compreendidos o direito de acesso ao fato e o direito à notícia.
O direito público ao fato foi realçado pelo diretor da agência France Press, Paul Louis Bret, logo após a II Guerra Mundial: "entre todos os direitos do povo" escreveu ele na época "o direito ao fato é, talvez, o mais essencial".
As atividades de investigar, de colher, de receber e difundir informações de toda índole caracterizam-se como desdobramento do direito à informação num plano geral, segundo o art. 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1970). Igualmente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948) garantiu o direito à liberdade de investigação, de opinião e transmissão do pensamento, através de qualquer meio de comunicação (art. 4.°).
Nesse quadro há três direitos correlatos: a) o direito à informação; b) o direito de se informar; c) o direito a ser informado. Tais direitos foram solenemente reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948, art. 19) e na Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950).
René Ariel Dotti, advogado, é membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Francisco Zardo, advogado, é pós-graduado em Direito Administrativo.
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