Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Opinião do dia 2

O controle do saber

A última das decisões do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em direção ao socialismo bolivariano a que se propõe não mereceu os protestos veementes da comunidade internacional contra o controle do Congresso Nacional e a estatitazação da rede da RCTV. Mas o enquadramento das escolas de todo o país à ideologia oficial do momento, anunciada há poucos dias, é uma ação muito mais definitiva e permanente, muito mais danosa a médio e longo prazo, do que qualquer outro atentado às liberdades civis.

Não é preciso historiar aqui. Já faz parte do DNA humano valorizar a disseminação do conhecimento como única forma de evolução social e econômica de qualquer comunidade, desde a aldeia mais remota aos países mais influentes.

Como, também, não é preciso relembrar a relação direta entre sociedades que se deixaram manipular pelo controle eventual de sistemas ideológicos fechados, de pensamento único, e os grandes desastres políticos e administrativos onde quem pagou o preço, em forma de atraso, de sofrimento, de perdas de milhares de vidas, foi a população.

Por isso, quando o coronel venezuelano Hugo Chavez se lança na tarefa de controlar a escola privada de seu país, derruba a última resistência ao exercício crítico na sociedade local, condição essencial para o aprendizado democrático, de respeito às diferenças. Fora isto, a capacidade de analisar, recusar, propor idéias, evoluir, errar e acertar de uma população inteira será sempre um grupo conduzido, controlado e enfileirado como na expressão tão conhecida em nossa língua, as chamadas "vaquinhas de presépio".

Mesmo teatral e caricato, sem prestígio internacional, a não ser em regimes de fim linha, como o de Fidel Castro em Cuba, ou de ingênuos recém-chegados, (ou muito espertos) como o de Evo Morales, na Bolívia, o presidente da Venezuela mostra a face de ditador ao empurrar goela abaixo do ensino privado do seu país a ideologia superada do socialismo latino americano. As instituições privadas de ensino representam, potencialmente, os únicos espaços livres da influência oficial em qualquer país. Porque, apesar de se enquadrarem nos sistemas educacionais vigentes, como orientação pedagógica, calendários, idiomas e índices monetários, independem das verbas estatais. São, em síntese, um prolongamento do reduto sagrado de todo e qualquer cidadão, o lar e, portanto, invioláveis. No Brasil, mesmo em períodos onde as instituições democráticas foram controladas e censuradas pelo aparato estatal vigente, a escola privada, com raras exceções, manteve seu espaço interno aberto ao conhecimento amplo, livre e plural.

E na Constituição de 1988, os sindicatos e federações representantes das instituições privadas brasileiras, através de uma mobilização memorável, conseguiram inserir a escola particular não como uma concessão do Estado, mas como empresa independente. É um direito de qualquer cidadão brasileiro, atendidas as condições estabelecidas de capacitação profissional e pedagógica, de abrir sua própria escola. Repassar o conhecimento de geração para geração, sem qualquer autoritarismo ou direcionamento ideológico, religioso ou cultural não foi apenas uma conquista das escolas particulares, mas da sociedade brasileira. O resultado é uma sociedade onde a opinião pública exerce com muito mais maturidade e responsabilidade o exercício da crítica e a reivindicação de seus direitos.

É lamentável que o coronel Hugo Chávez atinja, de maneira tão absoluta, a população do seu país cerceando a escola privada com o único objetivo de formar cidadãos acríticos, para se perpetuar no poder. É uma postura atrasada, já superada, inegavelmente retrógrada. Não é um bom exemplo. Ao contrário, é uma atitude que deve ser condenada e combatida por todos aqueles que aprenderam, no banco da escola, a respeitar e exercer a democracia.

José Manoel de Macedo Caron Jr. é presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Estado do Paraná (Sinepe/PR).

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.