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NIEMEYER / BRASIL / Brasilia, 7/12/2007./ Vista do Palácio do Planalto projetado por Oscar Niemeyer em Brasília./ Foto: Rodolfo BUHRER/Gazeta do Povo.
Vista do Palácio do Planalto.| Foto: Rodolfo Bührer/Arquivo/Gazeta do Povo

Em livro recente sobre a pandemia e o mundo pós-coronavírus, o historiador israelense Yuval Harari destaca o papel de alguns políticos e da falta de líderes: “Nos últimos anos, políticos irresponsáveis solaparam deliberadamente a confiança na ciência, nas instituições e na cooperação internacional. Como resultado, enfrentamos a crise atual sem líderes que possam inspirar, organizar e financiar uma resposta global coordenada”. Muito além dos aspectos meramente simbólicos, a ausência de líderes pode resultar em perdas irreparáveis e o relativo insucesso brasileiro em lidar com a crise poderia ser parcialmente imputado à falta de lideranças.

Por aqui são muitos os sinais de desorganização, falta de articulação, iniciativa e responsabilidade. Só agora começamos a desenhar um comitê nacional de crise para decidir de forma coordenada ações para minimizar os danos e antecipar possíveis cenários. Sem uma política clara de combate à pandemia, foram inúmeros os casos em que o presidente desautorizou seus colaboradores e subordinados. Não faltaram inclusive discursos divergentes entre presidente e vice que, não fosse a habilidade diplomática deste, poderiam ter resultado em problemas maiores. O governo também não escolhe os mais capacitados, nem mesmo para os cargos-chave relacionados à pandemia. Estamos no quarto ministro da Saúde em um ano e um deles já declarou que não fazia ideia do que era o SUS antes de assumir o cargo.

A confiança na ciência e nas instituições também tem sido frequentemente golpeada. O presidente parece desnorteado e ocupa seu tempo atacando a ciência, combatendo adversários e inimigos imaginários e cuidando das peraltices dos filhos, seus principais conselheiros. Com raras exceções, governadores parecem desprovidos de senso de urgência e responsabilidade, e se dividem entre os que terceirizam os problemas estaduais para Brasília e os poucos que ainda defendem as políticas erráticas do governo federal.

Difícil imaginar, por exemplo, o que passa pela cabeça do governador do estado mais rico do país e que conta com taxa de mortalidade maior que a média nacional, quando decide deixar o estado nas mãos do vice e embarcar para Miami. Comportamento tão atabalhoado que o aumento da temperatura nas redes sociais o fez abortar as férias nos EUA dois dias depois da partida. Que mensagem passa ao povo um líder que age assim?

A oposição continua arrogante e presa ao passado. Distante da autocrítica pelos muitos erros cometidos, caminha claudicante e igualmente sem norte, mais preocupada em louvaminhar o seu líder supremo, trazido de volta à vida ao arrepio da lei pelo casuísmo de um Judiciário que não sabe seu lugar na repartição dos poderes.

O vácuo de lideranças não se reflete apenas no que poderia ou deveria ter sido feito; até boas iniciativas têm sido boicotadas. Casos didáticos vêm de São Paulo, estado que vem dando algumas respostas louváveis à crise, como o Comitê de Contingência da Covid-19 e a iniciativa do Butantan de negociar com antecedência prudente a aquisição e posterior transferência de tecnologia para a produção da Coronavac com a farmacêutica chinesa Sinovac. A equipe de profissionais gabaritados do Comitê de Contingência é frequentemente constrangida pelo governador, que insiste em levar às periódicas coletivas de imprensa sobre a pandemia discursos agressivos contra o governo federal e até assuntos paroquiais do seu partido, numa falta de decoro desumana. Os adiamentos injustificados no anúncio da eficácia da Coronavac, a primeira divulgação incompleta e a insistência do governador em reivindicar o seu desenvolvimento depõem contra a vacina que está ajudando a imunizar o país.

Debates propositivos, diálogos republicanos pelo bem comum e decisões assentadas em dados são coisa raríssima. Das toscas lives presidenciais às midiáticas coletivas de imprensa do governador paulista, passando pelas manifestações públicas de outros membros do Executivo e Legislativo, a nítida impressão que resta é de que o pleito de 2022 tomou a frente e se tornou mais importante que o caos que estamos vivendo.

O preço está sendo pago. Já são 300 mil mortes, crescimento descontrolado no número de infectados, piorado com a nova variante, a P1 ou de Manaus, que se espalha pelo país. O ritmo da vacinação tem caído com a escassez de vacinas e a falta de articulação impede o necessário recrudescimento das medidas de isolamento social. Medidas essas que, diga-se, não são ideais, mas em casos emergenciais como o atual parecem ser a única saída para minorar a pressão sobre o sistema de saúde.

Além das poucas e honrosas exceções de homens públicos responsáveis e comprometidos, a sociedade tem dado respostas à altura da crise em curso. São jornalistas, professores, cientistas, empresários, economistas, formadores de opinião etc. que participam do debate público e ajudam a orientar a busca por soluções. Dois exemplos recentes são o Manifesto do Colegiado dos Professores Titulares da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, publicado em 16 de março, e a carta assinada por mais de 500 economistas, banqueiros e empresários, divulgada no domingo, dia 21. De diferentes formas e graus de detalhamento, ambas fazem um diagnóstico da situação e sugerem alguns pontos para ação imediata. O último parágrafo da carta é preciso: “O país pode se sair melhor se perseguimos uma agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito”. A carência de lideranças nos trouxe até aqui, sinais de reação começam a surgir. Precisamos agir.

Hamilton Varela é professor titular do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

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