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O declínio da Escola Clássica

(Foto: JONATHAN CAMPOS/GAZETA DO POVO/Arquivo)

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Em ocasiões anteriores, neste espaço, já lembramos que a educação atual veio decaindo desde o início do século passado e encontra-se em uma situação lastimável nos dias de hoje. Os alunos atuais se formam e não fazem ideia do que adquiriram como saber; apenas lhes interessa o fazer. Também já tratei da importância de se conhecer a antropologia humana para realizar uma boa educação, mas outro assunto relevante para se conhecer e comentar é a psicologia humana.

A economização atingiu em cheio as instituições educacionais, sejam escolas ou famílias, fazendo-as escravas da economia e estimulando apenas a que se ensine uma profissão aos nossos alunos e filhos. Isto não seria possível sem um conhecimento sobre psicologia, principalmente psicologia de massa, com o objetivo de secundarizar a sociedade.

Já comentamos, também, que a antiga Escola Clássica, constituída pelos jesuítas e que adentrou ao mundo contemporâneo, trazendo a humanidade ao século 20, foi sendo substituída por uma escola profissionalizante, e que esta seria muito mais eficiente para a sociedade moderna se desenvolver do que aquela. Assim foi nos Estados Unidos, onde se iniciou o processo de desconstrução desta filosofia educacional que havia construído o mundo contemporâneo. Foram valorizadas as figuras de Wilhelm Wundt, Tom Parker, Henry Goddard, Lewis Terman, Robert Yerkes, Alfred Binet, Jean Piaget, John Watson, B. F. Skinner, Paulo Freire, Ivan Illich, John Dewey, Edward Lee Thorndike e outros, com recursos “filantrópicos” das fundações Carnegie, Ford e Rockefeller. Mas para quê? Simplesmente para mudar os conceitos educacionais norte-americanos. Uma vez alterada a filosofia dos Estados Unidos, o mundo todo seguiria este novo padrão que prolifera até hoje: a utilização da “psicologia experimental” na educação. Para se alterar o modelo da sociedade era preciso entrar na educação com meios psicológicos eficientes.

A economização atingiu em cheio as instituições educacionais, sejam escolas ou famílias, fazendo-as escravas da economia e estimulando apenas a que se ensine uma profissão aos nossos alunos e filhos

Em um livro chamado The Leipzig Connection, de 1980, Paolo Lionni apresenta o que seria a psicologia experimental e como esta veio a sedimentar-se no ambiente educacional americano e europeu. Esta psicologia considera o ser humano como um animal e a educação, nesta perspectiva, deve ser realizada de forma a levar o instruendo a uma experiência educacional padrão igual a todos os outros, esperando-se um resultado padrão nesta experiência, neste ensino. Ou seja, ao não considerar a criança e o jovem como um ser racional, este modelo os considera como seres irracionais. E é isso que se busca no ensino, fazendo deles um contingente a ser adestrado para o trabalho sem questionamentos. Foi na Escola de Chicago que ocorreu o surgimento da “psicologia educacional” e da chamada “educação progressiva” emanada do Teachers College de Columbia e que durou mais de meio século, sendo absorvida por grande parte das escolas americanas.

O alemão Wilhem Maximilian Wundt, nascido em 1832, foi o precursor desta nova ciência, quando a psicologia significava apenas o estudo da alma ou da psiqué. Em 1875, transformou seu laboratório em Leipzig no primeiro laboratório psicológico do mundo. Começou a medir as respostas fisiológicas do indivíduo quando tinha suas experiências sensitivas e sentimentais, julgando que estava conseguindo medir os resultados de estímulos provocados em seres humanos, dando a impressão de criar uma ciência exata, que era a psicologia experimental com ares de ciência exata. Wundt acreditava que o homem era desprovido de espírito e autodeterminação, sendo apenas soma das experiências introduzidas na consciência e subconsciência. Este trabalho foi considerado, de maneira geral, um grande estudo do cérebro e do sistema nervoso humano, e foi rapidamente foi levado para a educação, pois o estudante teria de ser exposto às experiências significativas para se assegurar um aprendizado adequado. Deveria ser criada uma “situação-resposta” para cada tipo de aprendizagem. Assim, se só existe o corpo, temos de tentar induzir sensações no sistema nervoso para provocar a aprendizagem. Pavlov bebeu desta base filosófica para formular os princípios do condicionamento; o mesmo ocorreu com os psicólogos behavioristas americanos Watson e Skinner, bem como para a lobotomia e a terapia eletroconvulsiva. Estava aberta a direção rumo à gratificação dos prazeres sensíveis, à custa da responsabilidade e da finalidade humana.

Neste contexto, a chamada “educação clássica” já estava totalmente contrária a esta filosofia educacional; mas tudo ficou ainda pior quando se começou a acreditar que os caminhos da mente poderiam ser medidos por experimentos. Um dos alunos de Wundt que retornaram para os Estados Unidos foi G. Stanley Hall, que em 1887 organizou um laboratório deste modelo na Universidade Johns Hopkins, além de fundar o American Journal of Psychology. Ele estabeleceu, em 1904, uma relação entre a psicologia experimental e a educação infantil. Foi Hall quem promoveu a carreira de uma personagem importantíssima da educação americana: John Dewey, que, com financiamento dos Rockefeller, criou um laboratório de educação na Universidade de Chicago para aplicar princípios psicológicos e técnicas experimentais ao estudo do aprendizado. Dewey desejava que as crianças tivessem os fatores psicológicos e sociais coordenados na escola com a finalidade de que elas expressassem de forma a atingir fins sociais. Os professores teriam de mudar seu papel tradicional de educador para serem guias para a socialização da criança. Tanto para Wundt como Dewey, o ser humano não passa de um animal abandonado às suas reações e inteiramente dependente de seus dados experienciais.

Ainda mais: nesta linha materialista, as habilidades naturais derivavam da hereditariedade como são as limitações do mundo orgânico. A eugenia começava dar seus passos. Outro wundtiano, Edward Lee Thorndike, começou a pesquisar galinhas, gatos e ratos em Harvard, testando seu comportamento e criando o que seria a “psicologia animal”, pois, como dizia: “a psicologia era a ciência da inteligência, caráter e comportamento dos animais, incluindo o homem”. Estes estudos tiveram eco em outros pesquisadores, que se convenceram de que isto era digno de ser testado em humanos; em 1903, já havia resultados na aplicação destas técnicas sendo realizadas em crianças e jovens. A escola começa a ensinar que o que é agradável é bom e o desagradável não é bom. Esta é a base do ensinamento de estímulos-respostas de Thorndike, transmitido a centenas de milhares de professores espalhados pelo mundo por meio da “psicologia educacional”. Nosso grande conhecido Anísio Teixeira foi um deles, e trouxe ao Brasil algumas destas ideias nos anos 1930.

Estamos vendo que a educação, neste nível, considera o ser humano um animal social que deve aprender a adaptar-se ao seu meio ambiente, em vez de descobrir como adaptar eticamente o ambiente às necessidades suas e da comunidade. O individualismo e o desenvolvimento de habilidades individuais cedem espaço à conformidade social e à adaptação; dito de outra forma, as crianças devem ser “bem-ajustadas” ou condicionadas. Daí a necessidade de dar uma “vocação”, uma carreira vocacional a cada um, visando o bem social. A escola mudou seu fim: agora, é a socialização do estudante, entendendo-a como dar-lhe uma função social, ou seja, um emprego remunerado, não importando a necessidade do indivíduo.

Muito preocupado com a evolução destas ideias na educação americana, Albert Jay Nock escreveu os fundamentos que deveriam existir na educação em seu livro The Theory of Education in the United States. Na obra, de 1932, Nock fala da decadência dos últimos 35 anos justamente pela introdução nos currículos das matérias ditas “científicas” em detrimento daquelas que compunham a estrutura da chamada Escola Clássica. Os propósitos apenas vocacionais estavam sendo priorizados. Mas a maneira de se conduzir esta reforma que altera o objetivo, o espírito e a estrutura da educação americana estava sendo conduzida de forma empírica, fazendo-se testes pedagógicos sem qualquer parâmetro e por vezes utilizando processos psicológicos observados em animais. E tudo voltado para o trabalho, substituindo educação por treinamento.

Toda uma tradição escolar voltada para o desenvolvimento intelectual foi sendo abandonada. Albert Jay Nock falou da vontade desta nova teoria de ensino de se buscar o igualitarismo e a democracia. Entretanto, ele diz que nem todos são educáveis, mas todos são treináveis. Assim, a ideia de se treinar a todos é mais fácil e economicamente melhor para se obter um retorno financeiro, além de ser uma forma igualitária de se manter a teoria viável. A teoria que passou a dominar era a de que treinar um cidadão é equivalente à educação para a cidadania, pois essa educação daria ao jovem uma profissão pela qual ele ajudaria a sociedade a crescer.

A escola mudou seu fim: agora, é a socialização do estudante, entendendo-a como dar-lhe uma função social, ou seja, um emprego remunerado, não importando a necessidade do indivíduo. 

A teoria educacional também falava sobre democracia e poucas pessoas parecem realmente entender o que ela seja. Para não entrar muito a fundo no tema, podemos facilmente ver que a antítese de democracia é absolutismo. Parece, na visão de Nock, que não se está sendo nem igualitário, nem democrático, neste novo sistema educacional. Ao contrário, se está impondo de forma absoluta sobre todos os estudantes um padrão quando isto é impossível, pois cada indivíduo é exclusivo e não um membro de um rebanho.

E aí se observa a grande diferença entre a chamada “Grande Tradição” da Escola Clássica e a atual, entre a disciplina voltada para os “conhecimentos formativos” e esta nova tendência voltada para “conhecimentos instrumentais”. A disciplina serve apenas para educar pessoas; mas, como existem pessoas que não são educáveis, a disciplina não tem efeito, e assim as escolas deviam formar o “homem para o seu tempo” e “prepará-lo para a vida”; isto seria descartar a disciplina “antiga e medieval” da velha escola. Esta disciplina leva a pessoa educável a ter pensamentos corretos, limpos, lógicos, maduros e profundos, mas a concepção vocacional moderna apenas lhe dá uma visão extremamente limitada de uma atividade humana.

Este processo, que estava em andamento nos Estados Unidos no começo do século passado, ainda se manteve competente porque havia uma herança educacional e os processos profissionais estavam sendo colocados de maneira correta e responsável, isto até cerca de 1950. Com o passar do tempo, toda a geração antiga que houvera sido educada na educação clássica foi sendo ultrapassada pela idade. Ao chegarmos à década de 1980, não se encontrava mais ninguém que tivesse passado por aquela educação e somente se ensinava uma profissão; e, o que é pior, introduziu-se a ideologia dentro da pedagogia. Ora, isto faz com que a cada geração se perca a seriedade do que se faz e, nestas duas décadas do 21.º século, estamos colhendo o que sai das escolas e que podemos chamar de “ignorância funcional”: nem uma profissão ou instrução correta os jovens aprendizes têm condição de responder. O nível geral está em queda livre e até mesmo o ensino tem decaído.

Verificamos, com estes dois livros, que se iniciaram naquele momento grandes modificações em uma estrutura secular, dando início a uma nova fase do sistema educacional e de ensino no mundo.

Um último aspecto que merece destaque é a grande preocupação que havia na Escola Clássica com relação ao bem da sociedade, e que neste novo modelo se perdeu. Ao tentar educar os jovens para a sociedade, formando-os para uma vocação, está se formando pessoas que só se importam consigo mesmas e não com a sociedade. A chamada “virtude cívica” de que o Barão de Montesquieu falava e que formou a cultura americana foi deixada de lado com este sistema de ensino puramente econômico. Não há mais amor à pátria nem respeito solidário; tudo que o trabalhador deve fazer é trabalhar, e todas as outras preocupações cabem ao Estado. Todos sabemos que o importante não é o que se ensina, mas como se ensina; dessa maneira, este modelo de ensino considera todos como um só, que deve respeitar um currículo único e ser instruído de forma única, descartando ou abafando os expoentes para mais ou para menos. Diz Paolo Lionni no último parágrafo de seu livro:

“Educação não é psicoterapia obrigatória universal imposta pelo governo. A incultura de nossos líderes e de seus eleitores é a raiz de todas as nossas dificuldades. A Terra está, em matéria de educação, desprovida de seus direitos, por planos que são próprios de uma ignorância universal. Precisamos de nada menos do que um completo renascimento educacional.”

E continua, como que profetizando:

“Dentro de meio século a delinquência juvenil explodiria, hordas de analfabetos transbordariam de nossas escolas. Os professores já não aprenderiam a ensinar e, geração após geração, os adultos, privados dos frutos de uma educação de qualidade, abandonariam toda a esperança de escapar do pântano da educação ‘moderna’.”

Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith.

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