A Lei da Liberdade Econômica – que está aguardando sanção presidencial – tem suscitado polêmica, justamente pela relevância do desenho de mecanismos que propõe no contexto do Estado brasileiro. Em um primeiro momento, a formulação de defesa da liberdade econômica poderia parecer paradoxal se ela fosse vista como uma oposição completa à intervenção estatal. Entretanto, a forma de capitalismo vivenciada na maioria dos países ocidentais – e, igualmente, no Brasil – não aponta neste sentido. Afinal, como quase todos os direitos fundamentais, a liberdade econômica é exercida em graus relativos de eficácia no mundo real e não de forma absoluta. Sendo assim, a preocupação deve ser se a nova norma pode contribuir com o aumento do nível de exercício efetivo dessa liberdade.
O projeto de lei em análise pela Presidência da República não deve ser entendido como ofensivo à produção de normas regulatórias
Nesse ponto, cabe destacar, do texto aprovado pelo Congresso Nacional, a importante diretriz da redução da ampla discricionariedade da administração pública em implantar normas regulatórias. Uma análise interessante da questão pode ser vista na obra Design for liberty: Private property, public administration and the rule of law, do professor Richard Epstein, da Universidade de Chicago e da New York University. Epstein reconhece a necessidade da atuação regulatória estatal, mas aponta para o perigo de uma discricionariedade excessiva dos agentes públicos na implementação das normas jurídicas administrativas, questão que ficou mais crítica com o avanço de diversas camadas de regulação estatal. Isto pode ser visto em situações em que existem diversos entes regulando total ou parcialmente o mesmo mercado – por exemplo, no caso da produção audiovisual, em que, além de uma camada de regulação setorial da Anatel e outra da Ancine, há camadas de regulação de defesa do consumidor e de normas locais sobre colocação de antenas e outros bens necessários à prestação do serviço.
Outra hipótese muito comum é a existência de regulações concorrentes nos três níveis da Federação: por exemplo, normas e atos administrativos federais, estaduais e municipais conflitantes. Neste contexto, a instituição clara de direitos de propriedade e da liberdade de contratar não é suficiente se o leque de restrições à disposição dos agentes públicos for muito amplo e o controle judicial não for efetivo. A fragilidade do controle judicial pode ser atribuída à deferência excessiva ao regulador em função da necessidade de conhecimentos técnicos ou ao exercício, pelo Judiciário, de ainda mais discricionariedade e, portanto, produção de maior incerteza. Chegou-se – e parece que nos acostumamos – ao ponto de que garantias constitucionais como a liberdade econômica e o direito de propriedade são cotidianamente confrontadas por normas de cunho regulatório exaradas sem uma análise detida acerca dos seus impactos e dos custos necessários à sua observância. Assim, a conceituação e enumeração das hipóteses legais caracterizadoras do abuso de poder regulatório podem ser um instrumento adequado ao aumento da liberdade econômica na sociedade atual. Afinal, a criação da Lei da Liberdade Econômica, além de desincentivar a produção de regulação desnecessária, terá o condão de balizar o Poder Judiciário para determinar freios ao regulador, caso não fiquem demostrados a necessidade técnica e os efeitos positivos esperados com a edição da norma regulatória.
Outrossim, o projeto de lei em análise pela Presidência da República não deve ser entendido como ofensivo à produção de normas regulatórias, perspectiva que inclusive confrontaria o texto constitucional, o qual exige alguma intervenção estatal para atingir os objetivos sociais enumerados no própria Constituição Federal de 1988. Por outro lado, a proposta de desenhos de mecanismos que sirvam como proteção da liberdade econômica e permitam que ela seja exercida no maior nível possível e estimule o uso consciente e responsável do poder discricionário pelo agente público é plenamente compatível com a Constituição.
Mais que isso, se a Lei da Liberdade Econômica tiver o efeito de reduzir a confusão regulatória que atinge os mais variados setores de mercado e que gera profunda insegurança jurídica, a exemplo das questões ambientais, o Brasil poderá retomar o caminho do desenvolvimento, pois verá restaurada a confiança dos empreendedores em um Estado menos burocrático e mais eficiente.
Fabio Malina Losso, advogado e doutor em Direito Civil, é pesquisador visitante e membro de conselho da Universidade de Chicago (EUA) e associado-fundador do Instituto O Pacificador. Vinícius Klein, doutor em Direito e em Economia, é procurador do Estado do Paraná e professor do Departamento de Economia da UFPR.
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