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O desenvolvimento e as vantagens comparativas do Brasil no século 21

Paraná dobrou a exportação de soja em grãos nos últimos 10 anos. Imagem ilustrativa. (Foto: Claudio Neves / Portos do Paraná)

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O avanço da pandemia do novo coronavírus desencadeou um impacto muito severo na economia brasileira. A queda de 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 foi a maior dos últimos 30 anos, comparável apenas aos anos de 1981, quando a economia encolheu 4,3%, no ápice da crise da dívida externa; e de 1990, com queda de 4,4%, na crise do Plano Collor, com o desastroso confisco da poupança.

A quantidade de pessoas desempregadas e sem nenhuma fonte de renda é um fato também inédito na economia nacional. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 14,8 milhões de trabalhadores estão sem nenhuma ocupação, nem mesmo com “bicos”. Há, ainda, outros 6 milhões de pessoas desalentadas na força de trabalho, que desistiram de procurar empregos e normalmente nem sequer são consideradas nas estatísticas de desemprego do Ministério da Economia.

Por outro lado, no comércio exterior, em um primeiro olhar, verifica-se que o desempenho da economia brasileira tem sido favorável. Em 2020, as exportações nacionais totalizaram US$ 156,5 bilhões, enquanto as importações chegaram a US$ 114,3 bilhões, promovendo um importante superávit externo de US$ 42,2 bilhões. Por causa da redução no ritmo dos mercados e atividades, reflexo direto da pandemia, ocorreu uma contração das exportações e das importações, de 30% e 35%, respectivamente, em comparação com 2019, com queda também no superávit externo, da ordem de 12%.

Já os resultados do primeiro semestre deste ano apresentam uma retomada do comércio mundial. Em 2021, até junho, as exportações brasileiras atingiram US$ 135 bilhões, enquanto as importações somaram US$ 99 bilhões, acumulando em meio ano um saldo superior a US$ 36 bilhões.

Tais dados trazem uma perspectiva otimista sobre o desempenho externo do país e sua ativa inserção internacional. Um olhar pormenorizado, contudo, revela um problema bastante complexo da economia brasileira. Os dez principais produtos que o Brasil exporta são provenientes de setores primários, intensivos em recursos naturais, com baixa ou baixa-média intensidade de conhecimento e tecnologia e pouca agregação de valor. Produzimos e exportamos matérias-primas cujos preços são definidos no mercado internacional pelos grandes compradores, apresentando elevada volatilidade e deterioração nos termos de intercâmbio.

Nominando os três principais bens exportados temos a soja, o minério de ferro e o petróleo cru. E, mesmo focando nas exportações da indústria de transformação, vemos que os nove principais produtos estão inseridos na agroindústria – como farelo de soja, açúcar, carnes e celulose – ou em uma etapa de menor valor agregado, a exemplo dos lingotes de ferro.

Segundo a boa análise econômica, está em curso acelerado um padrão de desenvolvimento primário-exportador, com baixa produtividade e baixos salários, contribuindo para a elevada concentração de renda e de propriedade. Esse modelo adotado pelo Brasil favorece apenas os maiores detentores de terras e de recursos, bem como as companhias internacionais que detêm a propriedade das licenças genéticas.

O modelo exportador, com vantagens comparativas em minério e agronegócio, foi “plantado” há 50 anos, decorrente da grande estratégia nacional de impulso aos complexos agroexportadoras de proteínas vegetais e animais, com investimentos na agropecuária do Cerrado, na ampliação de crédito para as cooperativas de produtores e diversificação da agroindústria, bem como na estruturação dos megacomplexos minerais, tendo à frente Vale, Petrobras e grandes mineradoras e siderúrgicas. Essas companhias foram chamadas de “campeãs nacionais”, sempre apoiadas por recursos financeiros do BNDES e do Banco do Brasil. Trata-se de estratégia baseada na exploração das vantagens comparativas, importante para a criação de superávits estruturais da economia brasileira, mas que significa, no século 21, a reprimarização das exportações e a desindustrialização precoce e danosa da nossa economia.

Exportamos commodities e, assim, ficamos subordinados aos ciclos econômicos de preços e volumes definidos pelos países líderes, como a China e os Estados Unidos. Considerando os preços praticados em nosso comércio exterior em 2021, segundo dados do Comex Stat, para comprar no mercado internacional 250 gramas de microchips de memória, ao valor Free On Board (FOB) total de US$ 1.540,75, foi necessário exportar 60 sacas de soja, de 60 quilogramas cada, pelo preço FOB médio de US$ 25,86, que demanda o cultivo de 10 hectares de terras produtivas no Oeste do Paraná.

Esse é o paradigma de inserção internacional, baseado nas vantagens comparativas estabelecidas: precisamos exportar 60 sacas de soja, ou 12 toneladas de minério de ferro, ou 12 sacas de café não torrado, ou 22 arrobas de carne bovina, para comprar somente dez pentes de microchips de memória para computador, provenientes da China, Taiwan ou Coreia do Sul. Em plena era do capitalismo digital, estabelecemos uma estratégia subordinada de economia reflexa, um novo dependentismo dos mercados e produtos e serviços intensivos em conhecimento provenientes do exterior.

Essa é a proposta baseada nas vantagens comparativas do livre mercado, que promove o extrativismo e o “ogronegócio”, e engendra um desenvolvimento social e ambiental insustentável e perverso, pois a produção cresce desde que haja a incorporação de novas fronteiras agrícolas e minerais, avançando sobre os ecossistemas e biomas naturais da Amazônia e do Cerrado. É uma âncora pesada demais para o Brasil, que busca incansavelmente um futuro melhor e soberano.

Wilhelm Meiners e Rodolfo Coelho Prates são pesquisadores do Estúdio de Economia e Finanças da PUCPR.

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